28 de agosto de 2012

O tal vinho da Lixa

Saímos de nossa hospedagem, uma quinta em pleno coração da região dos Vinhos Verdes, em direção a Lixa, uma localidade a poucos quilômetros de onde estávamos. Nosso destino era outra quinta, mas não uma hospedagem, e sim uma produtora de Vinhos Verdes. Passamos por estradas tortuosas cortando micro-localidades, onde quase toda casa tinha algumas parreirinhas plantadas ao lado de couve e outras hortaliças. Outros terrenos um pouco maiores apresentavam parreiras rodeadas de pequenas plantações de milho.



Chegamos por volta das 11:00 na Quinta da Lixa, e fomos recebidos por Iono Santos, o responsável pelas visitas à propriedade. A Quinta que dá nome à empresa foi adquirida em 1992 com 10ha, dos quais 7ha foram plantados com uvas. Com o sucesso de mercado, a empresa foi crescendo, e hoje possui 6 quintas diferentes espalhadas pela região do Minho, com 52ha plantados com uvas. Mesmo assim, ainda compra a produção de muitas propriedades menores da região, para produzir 4 milhões de litros por ano.

A visita

Começamos a visita pelos parreirais. Ali, na sede, só se plantam uvas Alvarinho. Iono nos contou que a expectativa de colheita desta casta normalmente é no início de setembro. No entanto, este ano o verão na região não foi quente o suficiente, e a maturação estava atrasada em, pelo menos, 3 semanas.



Após colhidas, elas são todas destinadas à produção do rótulo Alvarinho Pouco Comum, um vinho Regional do Minho. Pela legislação, Alvarinhos só podem se chamar Vinho Verde se vêm de Monção e Melgaço, uma sub-região no extremo norte do Minho. No restante, ele só poderá ser chamado de Vinho Regional. No entanto, a diferença está apenas no nome, pois os vinhos Alvarinho de outras sub-regiões em nada devem aos de Monção e Melgaço. Iono confirmou que de fato há um movimento por parte de produtores para autorizarem o uso da uva no restante do Minho.

A visita seguiu pelas zonas de produção. Passamos pelo maquinário de desengace e prensagem limpos, e os tanques de fermentação vazios, esperando a próxima colheita. Apenas a zona de envase estava em pleno funcionamento. A Quinta está presente em 26 mercados, com forte aceitação nos Estados Unidos, Rússia e Alemanha. A estratégia de mercado inclui rótulos exclusivos, e formatos de garrafa e tampa (rolha x rosca) diferenciados, por país, dependendo da aceitação do público.

Alvarinhos

Iono propôs uma degustação comparativa de 3 rótulos com a casta Alvarinho. Descemos a um amplo salão com mobília em madeira antiga, com armários exibindo rótulos da casa, uma imensa mesa no centro, e alguns elementos de museu em disposição no canto.

Primeiro, provamos um rótulo homônimo da empresa, o Quinta da Lixa Vinho Verde, composto majoritariamente de Loureiro e Trajadura, mas possuía 15% de Alvarinho, de acordo com ele.

O segundo foi o Alvarinho - Trajadura, com denominação de origem Vinho Verde, sendo 50% de cada uva. O rótulo evoca aos aromas pretendidos com cada uva: a Alvarinho daria aromas de frutas como o pêssego (frutas com caroço) e florais, enquanto a Trajadura daria aromas mais similares à pera (mas no rótulo, as frutas saíram em lados invertidos). Iono nos pediu para tentar perceber como o segundo vinho tinha mais aromas da Alvarinho.

O terceiro era 100% Alvarinho, chamado Alvarinho Pouco Comum, feito com as uvas plantadas ali do lado. O aroma mais floral era ainda mais evidente, sem deixar de ter alta acidez, e a característica agulha, como nos vinhos anteriores.

Curiosamente - e isso foi revelado apenas ao final - este era o vinho que possuía maior quantidade de açúcar: 12g/L, contra 7g/L no segundo, e 3g/L no primeiro. E a sensação era de um vinho absolutamente seco, nos três casos. Os três eram leves, secos, levemente frisantes, com sensação de pouco álcool, enfim, refrescantes.

Vinho Verde rosado

Eu ainda pedi para provar um quarto rótulo, de um Vinho Verde rosado (ou rosé, como preferir), da casta Espadeiro. Eu já havia pesquisado o portfólio, e este me havia chamado a atenção, por ser um Vinho Verde rosé seco, algo pouco comum. E o vinho correspondeu às minhas expectativas, com um aroma muito distinto de frutas vermelhas, e completamente seco no paladar. Meu pai, que 'torce o nariz' para vinhos rosés, se surpreendeu e reviu seus conceitos.


Mas enfim, o que é Vinho Verde?

Vinho Verde é uma denominação de origem da região do Minho, no norte de Portugal. O nome é derivado da oposição a maduro, pois as uvas na região, no passado, eram tradicionalmente colhidas 'verdes', ou melhor, um pouco antes do ponto ideal de maturação. Ainda hoje, muitos restaurantes do país ainda exibem cartas de vinhos separando os 'verdes' dos 'maduros'. A Revista de Vinhos, importante publicação portuguesa, publicou uma edição especial aos Vinhos Verdes.

Segue abaixo um trecho do editorial:
A versão "oficial" foi durante largos anos (e, se se fizer a pergunta a diversos produtores da região, ainda é) a de que os Vinhos Verdes ganharam o nome devido ao aspecto verde e fresco da paisagem minhota. (...) Mas não é verdade. Esta versão foi encontrada para contrariar a ideia original de que os vinhos se chamavam Verdes por serem feitos de uvas não completamente maduras, ou pelo menos não tão maduras quanto nas das outras regiões vinícolas nacionais.
A verdade, por vezes, é incómoda. Mas tudo indica que, efectivamente, o nome Vinho Verde, que já vem do século XIX, se deve precisamente ao facto da conjugação do clima e das antigas técnicas de viticultura locais (...) condicionarem a maturação das uvas. Ou seja, esses vinhos chamaram-se Verdes porque eram efectivamente feitos de uvas verdes.

Iono faz couro a outras vozes de que hoje em dia isso não é mais verdade, e as uvas são colhidas em seu ponto ideal de maturação. De qualquer maneira, esta herança é responsável pelas características do vinho: leve, de muita acidez, levemente frisante, e geralmente de baixo teor alcoólico. E se hoje em dia as uvas não são mais colhidas verdes, é a tecnologia que permite reproduzir o mesmo caráter organoléptico. Por exemplo, para se obter a alta acidez, tão importante para o vinho, às vezes é permitido acertos no teor dos ácidos (tartárico, málico e mesmo cítrico, por exemplo). Já o gás característico tem origem na fermentação malolática que ocorria em garrafa. Como hoje em dia isso é evitado para conservar os aromas da uva, o caráter quase frisante pode ser reforçado com uma leve adição de dióxido de carbono.

Eu, que tendo a ser favorável ao 'não-intervencionismo' na produção de vinho, fiquei ligeiramente ressabiado ao tomar ciência destas tecnologias. Mas analisando mais a fundo, isso é muito menos manipulação do que em qualquer Champagne, o produto é muito mais natural do que qualquer refrigerante, e o resultado é muito refrescante!

Para saber mais a respeito, leia o texto Dos Vinhos Verdes.

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