5 de maio de 2014

Vinho Verde, não. Um grande vinho branco.

Durante o último curso de vinhos portugueses que assisti com Rui Falcão, aproveitei para pedir que ele me explicasse melhor sua posição a respeito de uma suposta dicotomia entre a denominação Vinho Verde Alvarinho e a sub-região de Monção e Melgaço (leia Alvarinho ou Monção/Melgaço?). A conversa que tive - uma aula particular - partiu deste texto, mas foi muito além, e me ajudou a compreender melhor o que são os dois mundos de Vinho Verde.

Eu compreendia que existe uma diferença, em termos de estilo e de reputação, em relação aos Vinhos Verdes Alvarinho e o restante dos Vinhos Verdes. A Comissão dos Vinhos Verdes (CVRVV - entidade responsável pelas normas, controle e divulgação dos Vinhos Verdes), no seu site, nos seus encartes e nas sua campanha de divulgação, dá total ênfase naqueles Vinhos Verdes que representam a maioria esmagadora do mercado: muito leves, pouco alcoólicos, com agulha (sensação gasosa) que os tornam ainda mais refrescantes, muita acidez, bons para dias quentes, e para acompanhar diversos tipos de refeições mais difíceis (molhos doces, muito apimentados, muita gordura). Por outro lado, mesmo que de forma passageira, e quase negligente, eles distinguem os Vinhos Verdes Alvarinhos, lembrando-nos que são mais encorpados, mais alcoólicos, sempre secos. Mas a CVRVV não dá a devida ênfase em como a proposta deles é muito mais distinta. Estes dois mundos são mais distantes do que dão a entender (e não se restringe aos Vinhos Verdes Alvarinho).

Quando provei os Vinhos Verdes da IdealDrinks, no Encontro de Vinhos Campinas do ano passado, os vinhos me pareceram interessantes, mas errados. É uma palavra forte, mas era o que vinha na minha cabeça. Eram dois vinhos Alvarinho, um com passagem por madeira, e dois vinhos de Loureiro, com ótima acidez, porém igualmente encorpados e sem agulha. Bons vinhos brancos, mas não eram Vinhos Verdes: não eram o que eu conhecia - ou melhor - esperava de Vinhos Verdes. Ainda mais divergente era o Senhoria, com nítida influência do estágio em madeira. Como vinho branco, era muito bom, mas como Vinho Verde... não era um.

Apenas quando Rui Falcão me explicou sua posição sobre Vinhos Verdes, é que a ficha caiu para mim. Ele falou, até com expressão pejorativa (apesar da posição dele como representante da Viniportugal): aqueles Vinhos Verdes com agulha são vinhos para se tomar logo. Vinho Verde BOM não tem adição de gás. E não existe (segundo ele) Vinho Verde com agulha que seja de origem natural, da fermentação. Ou seja, na sua visão, os Vinhos Verdes como os conhecemos, principalmente fora de Portugal, são aberrações que deveriam ser descartadas.

Eu lhe perguntei sobre o Deu La Deu, vinho 100% Alvarinho da Adega de Monção. É um vinho de alta reputação, e tem agulha. Leve, mas tem. Mas só aqui no Brasil, me disse ele. Ele realmente me confirmou que provou um Deu La Deu aqui no Brasil, e sentiu a agulha; mas em Portugal, não tem. E, da minha parte, posso confirmar o que me disse ele, pois na hora me veio à memória uma garrafa que tomei em Portugal, a primeira vez que provava o vinho, e tive certa decepção pela falta de agulha. Achei que o vinho estava 'choco', que tinha sido mal conservado. Ele não era insosso, não faltava acidez, não faltavam aromas, nem tinha aromas defeituosos: apenas não tinha a agulha, que lhe daria um nível extra de frescor, que eu esperava.


Naquele momento, conversando com ele, essas peças do quebra cabeça começaram a fazer sentido. Os Vinhos da IdealDrinks não representam o que conhecemos e esperamos dos Vinhos Verdes, pelo menos no Brasil. Esses, e outros, representam um estilo distinto de vinhos, que parece tentar prosperar no mercado alavancado pelo sucesso de venda dos primeiros, mas ao mesmo tempo se opondo a eles. No mercado português, eles conseguiram se firmar, mas para tentarem ganhar espaço no Brasil, a Adega de Monção, produtora do Deu La Deu, aparentemente produz uma versão diferente para exportação, mimetizando os Vinhos Verdes de agulha, para atender a expectativa do nosso mercado.

Estes vinhos, Alvarinhos ou não, são tão diferentes, que sua categorização no meio do restante dos Vinhos Verdes, não lhes dá o devido valor. São duas gamas de produtos muito distintas. Uma que representa a maioria, conhecida no mundo todo, que faz jus à sua história, que serve de carro chefe de propaganda da região. A outra, que se iguala em estilo aos grandes vinhos brancos do mundo, encorpados, mais austeros, que se dão o direito de afirmar que suas uvas são colhidas no ponto ideal de maturação, mas muito mais desconhecidos do grande público, principalmente no exterior. Mas se para Rui Falcão o primeiro grupo nem deveria existir, pois desmereceria a qualidade do segundo, eu creio que o segundo grupo que deveria buscar uma denominação própria, e sair da sombra do primeiro.

E por que estou discorrendo sobre isso?

Porque hoje tomei o Quinta de Alderiz Alvarinho 2012 distribuído pela Winelands. Ele pertence à denominação Vinho Verde, mas não representa a imagem que se faz de um. É encorpado, untuoso, sem agulha; mas com acidez destacada, que disfarça bem os 13,5% de álcool. Tem aroma de frutas maduras (abacaxi, pêssego) e casca de limão siciliano.


Ele é um grande vinho branco. Mas, apesar do que diz a Denominação de Origem, para mim ele não é um Vinho Verde.

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