27 de junho de 2014

Sobre vinhos na Provence: daube provençale

(E os vinhos de Bandol)


Alojados em um apartamento confortável em Aix-en-Provence, com uma cozinha completamente equipada, resolvemos cozinhar um prato típico da Provence. O escolhido foi a Daube Provençale, um guisado de carne marinada em vinho tinto.

Fui ao supermercado comprar a carne para a preparação do prato. Para facilitar, perguntei especificamente ao açougueiro qual era a melhor carne para preparar a Daube, e ele me indicou a poitrine, a mais barata (poitrine significa peito, então, suponho que seja equivalente a maçã do peito). No entanto, mais do que indicar a carne, ele se assegurou de que eu faria o prato corretamente. "Quando você pretende preparar?". "Amanhã está bom, pois tem que deixar marinando." "Você tem a receita?" "As receitas na Internet nem sempre são muito corretas." E me explicou grosso modo como ele prepara em casa.

Uma das preocupações do açougueiro era que eu deixasse a carne marinando com a cenoura, cebola (ah, vá) e o vinho durante toda a noite. Também me recomendou que cortasse a cenoura em pedaços grandes, para que ela não desapareça durante o cozimento. Na hora de finalizar o preparo, eu deveria retirar a carne da marinada, grelhá-la (para selar), e em seguida jogar a marinada novamente, para cozinhar durante, ao menos, 2h30, até que a carne fique bem macia.

A receita que foi obtida da Internet seguia de perto as indicações do açougueiro, e acrescentava a tapenade de azeitonas pretas, um pouco de ervas da Provence, alho (acho que ele não havia citado o alho por ser evidente), e raspas de casca de laranja na marinada.

O guisado ficou uma delícia, acompanhado unicamente de baguete de pão fresquinho, comprada na boulangerie que fica bem abaixo do nosso apartamento. A carne ficou muito macia, os pedaços de cenoura marcaram presença, a casca de laranja marcou o sabor, e a azeitona se fazia sentir sutilmente. Muito saboroso e bem equilibrado. Lamento que os vinhos que escolhi não fizeram jus aos pratos.


Os vinhos de acompanhamento

Tradicionalmente, este prato harmoniza com vinho tinto. Achei uma boa oportunidade para tomar o Domaine Bunan rouge 2008. É um vinho de Bandol, uma AOP com grande reputação dos tintos. Os vinhos desta região são baseados na Mourvèdre - que gera vinhos de cor e taninos intensos - e devem maturar em carvalho por pelo menos 18 meses.

Ele faz parte da linha de entrada do Domaine Bunan, mas como tem a AOP Bandol, custa 13 euros. Este, assim como todos os vinhos do produtor, possui certificação de vinho orgânico. Ele passa seus 18 meses de maturação em madeira, mas não em barricas, e sim em tonéis, de diversos usos, com o objetivo de amadurecer os taninos, sem que os aromas da madeira se sobreponham a fruta. Enfim, era um vinho cheio de predicados, e portanto, eu tinha alta expectativa. No entanto, me decepcionou. Cheio de aroma de couro (e mais nada), ele já estava decrepto. É uma pena.

Pelo menos, havia um plano B. Com 2h30 de cozimento, era preciso um aperitivo - que também era 'o vinho da chef' - para ajudar a esperar a comida. O vinho de apéritif foi o Domaine Bunan rosé 2013, a versão rosé da mesma gama. Como um rosé de Bandol, é também baseado na Mourvèdre, e por isso, é bem mais encorpado que os rosés de outras regiões. Um pouco pesado e alcoólico para o aperitivo, sobrou bastante para acompanhar o jantar. E seus defeitos como vinho de aperitivo foram resolvidos com a comida: acompanhando o prato, o vinho não pareceu mais pesado, portanto, foi um acompanhamento razoável.


Enfim, Bandol é reputada pelos seus vinhos tintos, e é uma pena que eu tenha comprado um que já estava ruim. Por outro lado, o rosé aportou toda a tipicidade da região, o que na minha opinião, os deixa menos interessantes que a maioria dos rosés da Provence, e por isso não justificam seu preço diferenciado. O prato valeu muito a pena, os vinhos, nem tanto.

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