19 de março de 2015

Simplesmente... Vinho

Nos últimos textos, estive a relatar o que de melhor aconteceu durante a semana que passei em Portugal, a convite da ViniPortugal, junto com os melhores alunos dos cursos de Formação sobre Vinhos de Portugal. Se não sabe do que se trata, leia o prólogo: Descobrindo e Provando Portugal com a ViniPortugal.

Pois bem, tudo que é bom dura pouco, e nossa semana chegou ao fim. Chegou a hora de desfazer este grupo super entrosado que se formou na viagem. Chegou a hora de nos despedirmos, de irmos embora, mas eu simplesmente... havia programado ficar mais uns dias. Eu já tinha planejado estender minha permanência, para comparecer a outra feira de vinho que aconteceu na cidade do Porto: a Simplesmente... Vinho. A 3ª edição deste "salão off, manifestação de nicho, independente e alternativa", como descrevem seus idealizadores, ocorreu nos dias 27 e 28 de fevereiro, em paralelo com a Essência do Vinho - Porto, e a apenas duas quadras do Palácio da Bolsa, literalmente à beira do rio, utilizando uma pequena parte do cais, e usando como base um porão, que se acessa por algumas portas a partir do Largo do Terreiro.

Apesar de independente e alternativa, a feira contava com algumas marcas muito conhecidos do cenário vinícola português, como Luis Pato, Filipa Pato, Quinta da Covela, Quinta da Pellada, Niepoort. E mesmo que os seus respectivos vinhos estivessem bem representados, os Baga Friends fizeram falta na feira, mas estavam em Londres, apresentando a Baga para os assinantes de Robert Parker...


Albariño

A feira não era exclusiva de produtores portugueses, tendo 4 expositores espanhóis. Um deles foi Alberto Nanclares Ocio, o proprietário das Bodegas Nanclares, de Rías Baixas, na Galícia. Economista de formação e trabalhando em uma multinacional, um dia se encheu e resolveu mudar de ares. Adquiriu uma pequena propriedade com vinhedo em Rías Baixas, na Galícia, e começou a produzir vinhos. Desde então, já aumentou um pouco a propriedade, somando 2ha de vinhedos, com idades que variam entre 30 e 100 anos, todos de Albariño - como é conhecida a Alvarinho do outro lado da fronteira.

Produtor artesanal que prioriza um produto são, sem uso de pesticidas na vinha, e sem aditivos industriais no vinho - como aliás é o perfil dos produtores desta feira. Para adubar suas vinhas, ele prepara uma compostagem com algas do rio, que ele mesmo colhe, com o bagaço das próprias uvas. Apenas com a Albariño, ele produz toda uma gama de vinhos diferentes: tem vinho com parte em maceração carbônica, vinho com maceração com as cascas, vinho fermentado em tonéis, vinho com estágio sobre borras. Cada um distinto, com sua tipicidade, mas sempre apresentando a expressão da Albariño, sua complexidade, sua textura, sua intensidade.


O lado elegante da Baga

Os Baga Friends estavam em Londres, mas a Baga marcou presença na feira. Esta casta típica da Bairrada tem fama de ser difícil de dominar, e de gera vinhos duros. Porém, diversos vinhos na feira estavam a mostrar que ela tem um lado dócil e macio.

O Douro Boy Dirk Nieeport é também um Baga Friend, produzindo vinhos com esta variedade na Bairrada. De acordo com o produtor, poeirinho é um nome antigo para a Baga. O Poeirinho 2012 foi a primeira safra deste vinho, 100% Baga de vinhas velhas - algumas centenárias. Parte fermentou em lagares de cimento e parte em tonéis de inox. Depois, estagiou por 20 meses em tonéis velhos de 2500L. É um vinho macio, leve e frutado, fácil de beber, e o produtor promete que ele agüenta uma longa guarda.

Filipa Pato também não esteve presente pessoalmente, mas seu projeto trouxe alguns vinhos alternativos, com o espírito da feira. Entre os vinhos apresentados, haviam dois "Vinhos Doidos", feitos de Baga. O Post Quercus 2013 estagia em ânforas de argila, enterradas no chão, assim como se fazia antes do advento das barricas de carvalho. Mais um vinho de estrutura muito leve, mas cheio de complexidade. Já o Território Vivo 2012 é proveniente de vinhas velhas plantadas em solo argiloso com muitas pedras calcárias. Fermenta em lagares abertos por 4 semanas, e estagia em pipas por 12 meses. Mais encorpado, com estrutura mais evidente, profundo, porém com taninos finos e macios.


Quem veio pessoalmente à feira foi Luis Patrão, junto de outros Young Winemakers. Patrão faz parte do time de enologia da Herdade do Esporão, no Alentejo, mas na feira ele estava com seu projeto familiar, localizado na Bairrada: Vadio. Por este projeto, ele foi escolhido pela Revista Wine como produtor revelação do ano de 2015. Ele trouxe o mesmo vinho - 100% Baga de vinhas de 60 anos - de duas safras diferentes. O Vadio 2011, para mostrar como seu vinho já é pronto, elegante, muito fácil de se beber quando jovem, isto é recém-lançado, depois de 18 meses de estágio em barricas e mais 18 em garrafa. Mas para mostrar o potencial de evolução, também trouxe o Vadio 2005, que apresentava o mesmo frescor do mais jovem, a mesma estrutura polida, apenas com um pouquinho mais de complexidade, que começa a aparecer nos aromas.


A Baga no Dão

Antonio Madeira é francês de pais portugueses, e decidiu se dedicar a resgatar o passado vinícola do Dão Serrano. Arrendou vinhas velhas aos pés da Serra da Estrela, e se dedicou a estudar, tanto o que tinha em mãos, quanto o que era o vinho daquela região no passado. Fez um estudo tão minucioso quanto possível de identificação das variedades que compõem essas vinhas, e mantém um blog da sua aventura, das suas descobertas e dificuldades: A Palheira do Ti Zé Bicadas.

Ele lançou na feira o Antonio Madeira 2012, segunda safra do seu vinho tinto, destas vinhas plantadas misturadas. A base do vinho é Baga, Jaen e Tinta Amarela, que seus estudos mostram que era o encepamento preferido do Dão no passado. Além das três, as vinhas possuem duas dezenas de outras variedades, incluindo castas brancas, que ele colheu separadamente. A propósito, ele também apresentou na feira o Antonio Madeira Branco 2013, a primeira safra de seu vinho branco. Seus vinhos são autênticos e muito bem feitos, e trazem na taça tanto o melhor da tipicidade do Dão quanto os seus valores pessoais. É um projeto louvável, e está resultando em vinhos de caráter e muita qualidade.


Quinta do Romeu

A Quinta do Romeu foi criada no final do século XIX por Clemente Menères. Hoje, a empresa possui 60 sócios, todos descendentes do fundador. Ela se estende por "uns milhares de hectares", no distrito de Brangança, em Trás-os-Montes. 97% da área é de sobreiros, sendo 120ha de azeite e 25ha de vinhas. Todo o cultivo da quinta, dos sobreiros às vinhas, possui certificação orgânica, e atualmente estão implementando o cultivo biodinâmico. Aproveitando o espírito da feira, trouxe um vinho fora de catálogo, o Romeu 2003, vinho já com 12 anos. Foi servido decantado, para fazer jus à sua idade, e estava espetacular, muito fresco, elegante, com muita fruta (principalmente frutas desidratadas), e deliciosos toques oxidados característicos da idade.


A Simplesmente... Vinho tinha um clima informal, alternativo, estava cheia de produtores muito pequenos, e mesmo os produtores mais renomados optaram por trazer vinhos alternativos, de produção muito limitada. São produções às vezes inferiores a 2000 garrafas por rótulo. Era um pecado pensar em provar e cuspir os vinhos, e o resultado foi que o ambiente se parecia mais com uma festa do que um salão de vinhos. Além disso, foi uma oportunidade única para conhecer todos estes vinhos alternativos, artesanais, cheios de personalidade. Foi um complemento perfeito para essa semana fantástica em Portugal!

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