22 de março de 2015

Um Porto de 1958... e outro de 1858

Pois, pois, minha viagem a Portugal não se encerrou com a Simplesmente Vinho; ainda deu tempo de pegar o comboio até Régua, visitar a Coimbra de Mattos. Peguei a Linha do Douro, que sai da estação de Campanhã no Porto, e segue às margens do rio Douro, até o Douro Superior (até há não muito tempo seguia até a Espanha, como vimos na Quinta de Castelo Melhor).


A sede da empresa se localiza na freguesia de Galafura, no concelho de Peso da Régua. Assim, desci na estação da Régua, onde me encontrei com Rui Meireles, que me pegou de carro para me levar à propriedade. Rui é casado com uma brasileira, e por isso vem com freqüência ao Brasil, e se diz impressionado como um país tão grande e tão rico pode estar em tamanha recessão. Na empresa, Rui é responsável pela produção e comercialização dos produtos.

Antes de seguir até a empresa, ele me levou ao Miradouro de São Leonardo de Galafura, um dos pontos mais altos às margens do Douro, a 640 metros de altitude, com uma bela vista sobre o rio. Infelizmente, o tempo estava completamente nublado, mas o visual ainda assim é muito bonito.


Depois, seguimos para a Quinta dos Mattos, a principal quinta da empresa. No limite da propriedade, na ribanceira da curva do caminho de terra, está localizado um marco pombalino, uma pedra que foi colocada pelo Marquês de Pombal para demarcar a área de produção dos vinhos do Porto. O marco está no mesmo local em que foi implantado, em 1761, e hoje se encontra protegido por uma árvore e dois dormentes de ferro, para garantir que algum eventual carro que passe reto na curva não venha a danificá-lo.

Um pouco mais abaixo, na propriedade, se encontra o antigo lagar da propriedade, dentro de uma pequena casinha, com paredes de blocos de xisto. Sobre a porta de entrada, a data de 1575 está esculpida na pedra em algarismos romanos. Dentro da casinha, há três cômodos, com o lagar no meio, um salão aberto de um lado, e a antiga cozinha do outro. Hoje a casinha foi reformulada em museu, com fotos da propriedade e da família, além de objetos antigos relacionados à produção de vinho.


Vinhos do Douro

Após o museu, voltamos à sede, onde está a unidade de engarrafamento, e uma pequena loja para receber visitantes. A empresa possui uma extensa gama de vinhos. Os vinhos do Douro estão divididos em duas linhas distintas, em função da quinta de onde provém as uvas. Da Quinta dos Mattos, vêm os vinhos da categoria reserva. O Quinta dos Mattos Branco Reserva 2012 tem parte com estágio em barricas, e mostra as notas tostadas da madeira e mais corpo, tudo com o frescor típico dos vinhos portugueses. O Quinta dos Mattos Reserva Tinto 2011 passa 100% em carvalho, e é um vinho bem encorpado, com notas da madeira bem evidentes. Como fazia muito frio, caiu bem.

Aproximadamente 20 quilômetros ao norte se localiza a Quinta da Laceira, uma outra quinta pertencente à empresa. Possui pouco mais de 10ha, em altitude média de 580 metros. Devido à altitude, gera uvas mais frescas, e é usada para vinhos de perfil mais simples: o Quinta da Laceira Rosé 2013, Quinta da Laceira Branco 2013, ambos com estágio apenas em tanques de inox; e Quinta da Laceira Tinto 2012, com estágio parcial em madeira.


Vinhos do Porto

Mas o forte da empresa é a linha de vinhos do Porto, que estão agrupados na marca Valriz, uma contração de Vale da Perdiz, em homenagem a uma vinha com este nome. Dentre os mais correntes, achei muito interessante o Branco Leve Seco, pois foi a primeira vez que provei um Porto tão seco. De acordo com o produtor, ele possui uma concentração de açúcares de 0,9º Baumé, o que equivale a pouco mais de 20g/L de açúcar (para se ter uma idéia, Portos normalmente possuem 110g/L, ou 5,6º Baumé). Acho que este estilo seco deu muito certo: ele tem aroma mais intenso, e é mais fresco, sendo uma ótima opção para aperitivo, e tem um preço muito acessível: menos de €6.


Além dos básicos, a empresa tem toda uma gama de Portos especiais. Foquei nos Tawnys, que são meus preferidos. A começar pelos Tawnys de idade: 10 years old, 20 years old, 30 years old, e Over 40 years old. Quando se trata de Tawnys de idade, quanto maior a idade, maior a concentração e complexidade do vinho. Os vinhos são submetidos a uma comissão e os prova, e avalia se eles têm mesmo a complexidade pretendida pelo produtor. Em seguida, vem o Colheita 1958, de uma única safra - uma safra especial para a Coimbra de Mattos, e com mais de 50 anos. É um vinho muito especial, complexo e de grande persistência, com aromas muito intensos das notas tostadas e de frutos secos.


Very Old Tawny

E para completar, o vinho mais especial da casa, um vinho da safra de 1858. Isso mesmo, um vinho do século XIX. Normalmente, Tawnys envelhecem em barril, em processo oxidativo, e são engarrafados apenas para serem vendidos, e depois de engarrafados, recomenda-se que sejam consumidos logo. Mas este foi produzido e colocado em barricas em 1858, e em 1890, de acordo com Rui, foi engarrafado. Isso significa que o vinho passou mais de um século em envelhecimento redutivo (sem contato com oxigênio), o que é muito diferente de qualquer outro Porto que já conheci.

Restam poucas garrafas deste vinho tão especial, e ele custa mais de €1500. Por isso, Rui não iria abrir uma garrafa nova a cada visitante que chega. A garrafa que está disponível para prova já tem 2 anos aberta, o que é um tempo muito longo para pensar que o vinho tenha se mantido intacto. Por isso, é possível que ele já tenha perdido um pouco do frescor que tinha quando a garrafa foi aberta em definitivo. Mas ele ainda mostra um aroma intenso e muito diferente de qualquer Porto que já tenha tomado. Ele possui notas intensas de cravo e doce de banana, somados a caramelo, amêndoas torradas e notas oxidativas. Realmente foi uma experiência muito diferente.

Estes vinhos são vendidos em garrafas de design bem diferentes, retangulares, largas e baixas, muito estilosas. No entanto, estão guardadas na cave em garrafas comuns. E para piorar, não havia à disposição nenhuma garrafa para venda, para que eu pudesse tirar uma foto.

Um comentário:

  1. Portos dos melhores, entre os melhores, na prova feita em Montreal no Canada.
    Tinta Amarela um vinho tinto dos melhores do Douro.
    Mário Silva

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