26 de abril de 2015

Vertical A Sirio: 2001, 2003, 2007, 2008 e 2009

A ABS Campinas SBSomm aproveitou a presença no Brasil do Sr. Luca Tommasini, que é proprietário e enólogo da Azienda Agricola Sangervasio, para realizar uma degustação vertical de seu principal vinho, o 'supertoscano' A Sirio.

A Sirio é o carro-chefe da vinícola, e seu nome é uma homenagem ao avô de Luca, Sirio Tommasini. É um 'supertoscano', isto é, um vinho da Toscana que não segue as regras de DOC da sua região, optando por um estilo mais 'internacional', no entanto com produção de qualidade reconhecida. Oficialmente, é classificado como Toscana Rosso IGT, mas independente disso, recebe altas pontuações e ótimas críticas há quase duas décadas, e foi elevado a uma categoria de vinhos venerados. É importado pela Zahil, e vendido por R$222 (safra 2008), no site da importadora.

A degustação foi um evento especial. Provamos as antigas safras 2001 e 2003, que já não estão mais disponíveis para venda - existem apenas algumas garrafas no acervo da vinícola, que são guardadas para ocasiões como esta. Além delas, havia também a 2007, que ganhou o prêmio no Top10 da Expovinis este ano, na categoria tinto do velho mundo; a safra 2008, que é a atualmente comercializada; e a safra 2009, que ainda não foi lançada.


Azienda Sangervasio

A propriedade fica nas imediações da vila de San Gervasio, próximo a Pisa, na Toscana. Ela se localiza a 25Km do mar, na primeira cadeia de colinas, a partir do litoral. A propriedade, que pertence à família de Luca há 60 anos, possui 400ha, dos quais apenas 22ha contém vinhas, plantadas em altitudes que variam entre 160 e 200 metros, em solos calcários ricos em fósseis marinhos, e muita areia. Aqui estão os primeiros fatores da qualidade de seus vinhos: as vinhas recebem boa insolação, favorecendo uma maturação adequada; recebem constantemente os ventos do mar Tirreno, que além de trazer frescor, contribuem para a sanidade das uvas; e estão plantadas em solos pobres em matéria orgânica, rica em minerais, e com boa drenagem. Mesmo assim, nem sempre o clima ajuda. Ele não produziu o A Sirio nas safras de 2002 e 2012 devido ao excesso de chuvas, que causou perdas de uvas, e afetou a qualidade das que foram vindimadas.

Outro fator de qualidade foi a decisão de mudar tudo, de fazer tudo diferente do que vinha fazendo, questionando as práticas tradicionais da região - assim como fizeram outros produtores de 'supertoscanos'. A partir de 1994, ele começou a implantar esas mudanças. Em primeiro lugar, aumentou bruscamente a densidade de vinhedos. Seus vinhedos possuíam 2,5 mil pés por hectare, como era tradicional na região. Ele aumentou a densidade para 10 a 12 mil pés por hectare. Esta mudança forçou as videiras a expandirem suas raízes mais profundamente no solo. Além disso, passou a controlar mais estritamente a produtividade das plantas, reduzindo produção a menos de um quilo de uvas por planta, conseqüentemente concentrando mais nutrientes nas uvas.

O segundo passo foi adotar uma cultura biológica, baseada no princípio de que o ecossistema saudável reduz a necessidade de tratamentos químicos. Seus vinhedos são entremeados de outras plantas, e ele não utiliza nenhum adubo, já que as próprias plantas auxiliares são responsáveis por aportar nutrientes ao solo. O único elemento que necessita aplicar é o cobre, que é permitido pelas certificações de cultivo biológico, e previne o míldio e oídio. Além do cobre, utilizado nas plantas, o único outro produto que utiliza é o sulfito, no vinho (em quantidades muito pequenas).

Além disso, desde 2003, optou pela fermentação com leveduras indígenas, nativas dos vinhedos. A grande maioria dos produtores hoje em dia utiliza leveduras selecionadas, industrializadas. Se por um lado elas são mais confiáveis, agindo mais rápido, e de forma mais consistente, elas fazem com que a maior parte dos vinhos do mundo sejam muito iguais entre si, muito homogêneos. Para ele, somente o uso de leveduras nativas permitem expressar de verdade o terroir.


A produção do vinho

Em todas as safras, o vinho leva 95% de Sangiovese, e 5% de Cabernet Sauvignon. As uvas são colhidas manualmente, e permanecem em um frigorífico por uma noite, antes de passarem por uma esteira de seleção manual. São então prensadas, e colocadas a fermentar em tanques de cimento. De acordo com Luca, a fermentação em tanques de inox deixa o vinho mais duro, mais metálico; e o cimento deixa o vinho mais redondo, e mais aconchegante. Após a fermentação, o vinho estagia em barris de carvalho francês, sendo metade de primeiro uso e metade de segundo, por um período entre 12 e 14 meses. E depois de engarrafados, ainda permanecem por pelo menos 18 meses descansando antes de serem lançados no mercado.

Um detalhe: conforme o leitor mais atento pode ter observado, ele passou a utilizar a fermentação natural apenas a partir de 2003, o que significa que a safra de 2001 - a primeira do nosso painel - foi produzida com leveduras selecionadas.

A influência do clima e do tempo

Uma degustação vertical serve não apenas para averiguar a influência do tempo (cronológico) no vinho, mas também para comparar o efeito do clima em cada ano. A informação que Luca nos passou é que 2003 foi um ano atípico, com verão muito mais quente que o normal, e nenhuma gota de chuva de maio até outubro. 2007, por sua vez, foi um ano mais fresco que a média, com inverno mais frio, a brotação atrasou um pouco, e temperatura no verão foi abaixo da média, o que levou a uma maturação mais lenta. Os outros anos tiveram um clima regular.


A primeira observação impressionante a respeito do vinho se refere à cor. A safra mais antiga tem 14 anos, e a mais nova 6. No entanto, os 5 vinhos possuíam a mesma cor, rubi intensa, sem evidências de evolução. Os vinhos de 2001, 2003 e 2007 apresentaram borras. Já nas análises olfativa e gustativa, a diferença era relativamente grande, e sentia-se claramente a influência do clima, e um pouco do efeito da idade de cada um.

  • A Sirio 2001: intensidade aromática baixa, mas complexa. No início, predominava o mentol (cânfora), e um toque de vinagrinho. Com o tempo, o vinagrinho se dissipou um pouco, e foi possível perceber um tostado da madeira, frutas vermelhas, e balsâmico. Na boca, encorpado e elegante, com acidez muito boa, taninos intensos, mas muito finos, e álcool perfeitamente equilibrado.
  • A Sirio 2003: mais aromático que o primeiro, sem vinagrinho, mas com baunilha e mentol. É possível perceber nitidamente a influência do clima, pois tem aroma a frutas cozidas, acidez significativamente mais baixa que deixava transparecer o álcool (todos tem o teor entre 14% e 14,5%). Os taninos se mostraram também muito mais intensos, e com uma textura áspera. Final longo, tostado.
  • A Sirio 2007: a safra que venceu o prêmio na Expovinis foi a que mostrou mais frescor, a corroborar o clima daquele ano. O mais frutado, com cereja fresca no primeiro plano, bala de menta (o mentol, sempre estava lá), e leve tostado. Acidez muito boa, taninos intensos, porém finos como no primeiro vinho, e álcool mais uma vez, sem chamar a atenção.
  • A Sirio 2008: a safra atualmente em comercialização mostrou principalmente aromas de couro, pêlo molhado. Alguns dos presentes tentaram amenizar, e sugerir que isso passaria com alguns anos em garrafa, mas eu acho que aquela garrafa estava contaminada por brett, mesmo. Em um restaurante, eu teria devolvido. O cheiro ruim diminuiu com o tempo, mas esteve sempre lá. Além do brett, apresentou o onipresente mentol, e toques tostados, e uma fruta negra, bem tímida. Na análise gustativa, equilibrado, com uma acidez um pouquinho menor que o anterior, mas ainda boa.
  • A Sirio 2009: o mais fechado no nariz, este sim, precisaria de um bom tempo aerando, ou mais alguns anos descansando na adega. Frutas negras, balsâmico, mentol, final tostado. Na boca, a acidez era boa, e o álcool, equilibrado, mas muito adstringente. Pelos taninos também, mostrou que precisa de mais um tempo de adega.


Em comum a todos os anos, é possível perceber um vinho encorpado e elegante, com taninos intensos, mas acidez muito boa, em geral. É um vinho discreto no nariz, porém complexo, marcado por notas mentoladas na taça, com frutas geralmente negras, e notas da madeira discretas. Na boca, mostra sabor mais intenso, e final longo.

O 2003, que achei meio cozido e alcoólico, foi o mais votado como melhor da noite: certamente, o perfil de fruta sobremadura faz a cabeça do público. Mas eu votei com o grupo que preferiu o 2007, mais elegante e fresco.

3 comentários:

  1. Descartar safras por conta do excesso de chuvas e, consequentemente não terem possibilidade de produzirem vinhos bons deveria ser adotada pelos produtores nacionais. Pensando nem, acho que não teríamos vinho nacional...afeee

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    1. HAHAHA!
      Também não é assim! Ainda teríamos vinho do Vale do São Francisco! Lá, dificilmente teria excesso de chuva.

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  2. É... Você está certo. Me esqueci do Vale do São Francisco. Estava pensando mais no Sul do país quando fiz o comentário.

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