11 de junho de 2015

As singularidades da Provence

Provence é a terra dos rosés. Algo entre 80% e 90% dos vinhos da região são rosés. E por mais que existam dezenas de variedades de uva autorizadas, a maioria dos vinhos se limita a um conjunto das 5 principais: Syrah, Grenache, Cinsault, Mourvèdre e em menor escala, Carignan. Por mais que estes vinhos sejam deliciosos, aromáticos e refrescantes, existe muito mais variedade, e quem viaja à região precisa conhecer, pois é ali que estão os melhores vinhos. Por falar em viajar à região, julho é a melhor época, quando os campos de lavanda estão florindo, portanto, façam as malas e sigam essas dicas.

Vista da cidade de Cassis

Cassis


Cidade litorânea, localizada a leste de Marselha, está encravada entre falésias e os calanques. É um destino turístico muito concorrido no verão francês. Além das praias com mar de cor azul turquesa, também é conhecida na França pelos seus vinhos brancos. Foi a primeira AOP a ser reconhecida na Provence, já em 1936. Também produz vinhos rosés (não há tintos), mas os brancos correspondem a 80% da produção. Eles são produzidos em corte, com as variedades Marsanne, Clairette, Ugni Blanc e outras, provenientes de colheita manual (obrigatório). As vinhas e caves recebem a influência marítima, que deixam no vinho uma destacada sensação mineral, de maresia. Além da salinidade, têm em comum corpo médio e aromas de evolução, como frutas em compota e mel. Os vinhos podem estagiar em madeira, mas o mais comum é que estagiem por volta de um ano exclusivamente em tanques de inox.

Todas as propriedades são pequenas. Uma das casas mais importantes é o Clos Sainte-Magdeleine. Uma propriedade do século XIX, com 20ha, possui os vinhedos mais próximos ao mar. Sua produção é orgânica, e toda a colheita é manual. Sua sede se localiza a apenas 2Km do centro da cidade, aos pés do Cap Canaille, logo à frente dos seus vinhedos, o que a torna uma visita 'obrigatória' para quem gosta de vinhos. Seu Clos Sainte-Magdeleine Blanc 2011 possui aromas de calda de abacaxi e mel, salinidade e corpo médio. Austero, mas com boa acidez, que o torna bem agradável.

Os vinhedos do Clos Sainte-Magdeleine

Outra propriedade de destaque é o Clos d'Albizzi, uma propriedade fundada por um imigrante genovês, em 1523, e desde então, passa de pai para filho. Hoje possui 14ha. Está localizada no alto da cidade, fora do centro, mas ainda recebe toda a influência marítima. Seu vinho branco (leia mais sobre o Clos d'Albizzi Blanc 2012) tem aroma mais frutado, notas de mel mais discretas, porém apresentando notas de garrigue e pimenta branca. Na boca, é cheio, com a mesma salinidade, e acidez mais comedida.

Bellet


Esta é a AOP dos vinhos produzidos na cidade de Nice. Foi definida em 1941, 5 anos depois de Cassis, devido à reputação dos vinhos produzidos ali. No entanto, devido ao seu preço, quantidade de produção reduzida, e recessões, vários produtores fecharam as portas, até que restassem apenas dois (Château de Crémat e Château de Bellet). No início dos anos 90, voltou a entrar na moda, e novos produtores se estabeleceram. Ainda assim, hoje a AOP possui no total menos de 70ha de vinhas.

Os vinhedos são estabelecidos em encostas montanhosas nos subúrbios da cidade, entre 300m e 400m de altitude, em terraços voltados para o rio Var. Além da pequena produção com foco em qualidade, um diferencial da região são as variedades de uva exclusivas, que ainda hoje não são cultivadas em outras partes do mundo: a Braquet, de coloração pouco intensa e muito aromática, é utilizada principalmente para rosés. Já a Folle Noire, com taninos intensos, é utilizada para vinhos tintos. Os vinhos brancos da região utilizam uma variedade que é comum a toda a Provence, chamada Rolle, e é cultivada também na Itália, onde é conhecida como Vermentino. Nem por isso é um produto relegado. No geral, cada tipo corresponde a 1/3 do total da produção, sendo que algumas casas têm foco nos vinhos brancos.

Château de Crémat

Um dos produtores com foco em vinhos brancos é o Château de Crémat. 60% da sua produção é de brancos, feitos 95% de Rolle, com 6 meses de estágio em barrica, e mais um ano em garrafa. Mas seus rosés e tintos são igualmente gabaritados. O rosé, feito de majoritariamente de Braquet, só é liberado no mercado 1 ano após a colheita, mostrando que é um rosé com estrutura. E o tinto, mesmo com um ano de estágio em barrica, é majoritariamente frutado, e muito macio.

Outro produtor de destaque é o Château de Bellet. Sua importância é tamanha, que emprestou seu nome à AOP. Seu vinho branco, Baron G. Blanc 2012 também possui muita influência da madeira, com aromas de baunilha e coco, e muita untuosidade. Já o seu rosé, chamado Baron G. Rosé, é distinto dos outros vinhos da Provence, de cor bem mais carregada, mais pesado, e aromas muito adocicados.

Os rosés do Château de Bellet e do Château de Crémat, respectivamente

Bandol


Bandol também se localiza no litoral, na Côte-d'Azur, a leste de Cassis. A Apelação Bandol foi criada em 1941, assim como a de Bellet. Focada principalmente em vinhos tintos (77% da produção) baseados na variedade Mourvèdre, que é muito tânica. Seus tintos têm que passar ao menos 18 meses em carvalho. Infelizmente, não tive a oportunidade de provar um Bandol tinto em boas condições. Fico devendo.

Os rosés, por sua vez, correspondem a outros 20%, e também têm grande percentual de Mourvèdre, por isso são austeros, menos frescos, e com taninos perceptíveis. Porém, são pesados e alcoólicos. Dentre eles, eu tomei o Château de Pibarnon, e o Domaine Bunan. Por causa do nome Bandol, custam relativamente mais caro. No entanto, o rosé La Matelote, que é produzido na região, mas não exibe o nome Bandol, é muito melhor e mais barato.


Também gostei da versão branca do Domaine Bunan, mas apesar de fresco e saboroso, é apenas um vinho de piscina, leve e com pouca estrutura, por isso não justifica o seu preço, que é mais caro por estampar o nome da região.

Palette


Estabelecida em 1948, Palette se localiza a apenas 3 Km da cidade de Aix-en-Provence. É a menor AOP da Provence, com apenas 50ha demarcados, e contempla apenas 5 produtores. A região se localiza em um vale, entre a montanha de Sainte-Victoire e o maciço de Montaiguet, e é cortada pelo pequeno rio Arc.

A única propriedade ao sul do rio Arc é o Château Simone. Fundado por freiras carmelitas, mas que desde 1830 pertence à mesma família, é o maior produtor, com mais de 50% das vinhas de Palette. É um ícone da apelação: o produtor mais conhecido, de reputação inquestionável, e de grandes vinhos, com longo potencial de guarda. Apesar de ser o maior produtor, produziu apenas 90 mil garrafas na safra de 2013, sendo que 50 mil foram do seu vinho branco, o Château Simone Blanc, o produto mais prestigiado da casa. Produzido majoritariamente a partir da variedade Clairette, de vinhas velhas - alguns pés centenários - cultivadas sem herbicidas. Todos os seus vinhos estagiam em madeira, sejam tonéis, ou barricas neutras, inclusive seu vinho o Château Simone Rosé. Isso mesmo, um rosé que estagia em barricas!

Château Simone

Já o Château Henri Bonnaud não possui a mesma tradição, mas tem chamado atenção pela qualidade de seus produtos. Seu nome é herdado do avô do proprietário atual, Stéphane, e sua loja e adega estão localizados nos fundos de sua casa. Ele não utiliza nenhum aditivo químico nem no cultivo, nem na produção de vinho, e possui certificação orgânica. Seu principal produto são os vinhos tintos, que correspondem à maior parte de sua produção (50 mil garrafas do total de 70 mil, em média). O Quintessence Rouge é seu carro chefe, um tinto com 15% de álcool, 18 meses de estágio em barrica, extremamente macio, e inacreditavelmente fresco.

Vinhas do Château Henri Bonnaud, aos pés da montanha de Sainte-Victoire

Les Baux de Provence


Esta foi a última AOP definida na Provence. A região fazia parte da Coteaux d'Aix-en-Provence, mas ganhou sua 'independência' em 1995, quando foi estabelecida a AOP Les Baux de Provence para tintos e rosés. Os brancos continuaram como Coteaux d'Aix-en-Provence até 2012, quando a apelação também passou a inclui-los.

Ela é a AOP que se situa mais a oeste da Provence, quase às margens do rio Ródano. E por essa razão, é a mais influenciada pelo vento Mistral. Este vento, frio e seco, vem do norte, canalizado pelo rio, e varre a umidade da região. Como conseqüência, tem mais horas de sol, menos chuva, as uvas amadurecem mais cedo, e os ataques de fungos são praticamente inexistentes. Não é à toa que quase todos os produtores praticam cultivo orgânico, ou biodinâmico. A associação de produtores até tentou incluir a obrigatoriedade de cultivo orgânico dentro das regras da AOP, mas o INAO, instituição francesa que regula as denominações de origem do país, recusou o pedido.

A maior parte da produção é de tintos, que devem ser compostos majoritariamente de Syrah, Grenache e Mourvèdre (mínimo de 60%). No entanto, o cultivo de Cabernet Sauvignon tem se expandido na região, podendo ser usado até o máximo 20%, para pertencer à AOP. E muitos produtores têm optado por utilizar percentuais maiores, até mesmo varietais, que no entanto faz os vinhos perderem direito à AOP, e são classificados como IGP Alpilles.

Vinhedos do Domaine des Terres Blanches, aos pés dos Alpilles

O Domaine des Terres Blanches se localiza aos pés dos Alpilles, próximo da bela cidade de Saint-Rémy de Provence. Ele foi criado em 1968, e seu criador foi um dos responsáveis por criar a AOP. Sempre praticou o cultivo orgânico, e hoje possui certificação de cultivo 'bio-ativo', que se trata de preservar os micro-organismos do solo, em reconhecimento ao processo de simbiose, que beneficia as vinhas. Assim como em toda a AOP, a maior parte da produção é de tintos, mas seu carro-chefe tem produção diminuta, e apenas nos melhores anos. O L'Exception 2008 foi a última safra engarrafada. Foram produzidos 4 barricas, sendo uma nova e três usadas, resultando em aproximadamente 2000 garrafas. É um vinho encorpado, mas muito redondo e macio, até com um certo frescor.

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