Em setembro de 2014, escrevi a respeito de um dos melhores vinhos que tinha recebido pela Sociedade da Mesa até então, o Roccamora Negroamaro 2011. Tão bom, que se esgotou rapidamente no clube. Ainda tive tempo de pedir mais algumas garrafas, mas elas também já se foram.
Naquela época, o clube tinha trazido também outro vinho do mesmo produtor, só que para a Seleção Grandes Vinhos, isto é, uma modalidade de vinhos de categoria superior à minha assinatura básica. Eu tinha gostado tanto do Roccamora, que pela primeira vez me arrisquei a pedir um vinho desta modalidade superior: o Nerìo Riserva 2010.
O Nerìo pertence à mesma Denominação de Origem do outro: Nardò, na Puglia, o calcanhar da bota. A área desta DOC fica na região costeira do Golfo de Taranto. O clima é quente e seco, com 300 dias de sol por ano, e dias longos e muito quentes no verão, em que as temperaturas facilmente atingem 40ºC. Isso faz com que as uvas acumulem grande concentração de açúcar, e conseqüentemente alto nível de potencial alcoólico. A principal uva da DOC é a Negroamaro, variedade de cor intensa e de boa carga de taninos, que é difundida por toda a Puglia. Em Nardò especificamente, ela costuma vir acompanhada de um pequeno percentual de Malvasia Nera di Lecce (ou simplesmente Malvasia Nera), uma variedade aromática que ajuda a amaciar eventuais arestas da primeira.
O Nerìo é um exemplo deste corte, com 80% Negroamaro, e 20% Malvasia Nera, de vinhas com média de 40 anos. As uvas são colhidas a mão e vinificadas separadamente. Os vinhos maturam separadamente em barris novos de carvalho francês por 8 meses. Após este estágio, é realizado o corte, o vinho é engarrafado, e permanece por mais 8 meses em cave, antes de ser vendido.
Eu tinha este vinho guardado havia pouco mais de uma ano, e resolvi abri-lo para tomar com meu pai, porque eu sabia que seria do seu estilo. Ele tinha uma cor rubi intensa, com leves reflexos granadas. O aroma apresentava ao mesmo tempo o caráter de sobrematuração das uvas, com notas de evolução, e um toque tostado da madeira. Haviam nuances de licor de cassis, ameixas desidratadas, bálsamo, e chocolate amargo. Apesar do aroma de sobrematuração, no paladar não mostrou aquele excesso de álcool que costuma estar associado. Pelo contrário, uma exuberante acidez associada a um leve toque de açúcar residual (*) criaram um equilíbrio perfeito com o álcool. Os taninos doces e macios completaram sua estrutura encorpada sem ser pesada, o sabor intenso confirmou os aromas do nariz, e o final de boa duração prolongava as notas de licor de cassis.
Eu tinha grande expectativa, e o vinho correspondeu com louvor. Meu pai também adorou. Uma pena que o estoque da Sociedade da Mesa acabou rápido, e não dá pra comprar mais dele.
* Observação: assim como o Roccamora, este vinho foi reclassificado no Brasil como semi-seco. Mas não se deixe levar pela classificação brasileira. Ele é um vinho seco. Não que a classificação brasileira esteja necessariamente errada, apenas que ela estabelece critérios diferentes, em teoria mais estritos. Dentro dos critérios estabelecidos pelo Brasil, a classificação é essa; no entanto ela não reflete a realidade.
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