24 de junho de 2016

Løiten Linie Aquavit

Da Noruega à Austrália, e de volta



Fazia tempo que eu não via uma garrafa daquelas. Meu pai foi ao armário de bebidas, abriu a porta, moveu uma ou duas garrafas da frente, e tirou de lá do fundo o Løiten Linie Aquavit, que eu havia trazido de presente pra ele, há mais de uma década, da época em que eu morei na Noruega. Restavam apenas três dedos da bebida, que meu pai não toma com dó de acabar. Ele nos serviu uma dose para cada, e nos sentamos no sofá.

O aquavit é a bebida nacional norueguesa (e dos países escandinavos). Ela é feita a partir da batata (pode ser feito de grãos, mas o mais comum é batata, mesmo), é bi-destilada em destiladores de coluna, chega a 96% de teor alcoólico, e é então diluída em água desmineralizada. Na segunda destilação, adicionam-se temperos e ervas (endro e semente de erva doce são os mais típicos), que dão o sabor característico. E por fim, eles maturam em barris de carvalho (preferencialmente, barris de Jerez).

Em muitos casos - como é o caso deste que eu trouxe - a maturação ocorre em navios, que viajam ida e volta até a Austrália! Nestes casos, são chamados linie aquavit, sendo que linie se refere à linha do Equador. Dizem que esta longa viagem, com o balanço do navio e as intempéries climáticas, é o grande diferencial para a qualidade da bebida.


É a bebida típica do país, mas não é a mais consumida. Me lembro de um jantar de final de ano na casa de uns colegas, e levei uma garrafa. Lá, em festas do gênero, é costume que cada um leve uma bebida. Não necessariamente cada um vai beber a sua, normalmente há um compartilhamento, mas no aquavit, fiquei sozinho. Todos os estudantes - todos noruegueses, por sinal - fizeram careta logo ao ver a garrafa, e uma menina disse que aquilo era coisa que a vó dela bebia! Senhora arretada, essa! Mas que diferença de cultura. Imagina, minha avó beber um destilado? No máximo uma cervejinha, preta, é o que ela bebe.

O Løiten Linie Aquavit é o mais conhecido da Noruega. Na garrafa, vem marcado o período da viagem que aquele líquido fez antes de ser engarrafado. Na do meu pai, consta 02/04/2002 a 16/08/2002 - pouco mais de 4 meses. É uma bebida destilada, portanto, forte, e até me lembrava de ser mais forte. Creio que durante essa década guardado, um pouco do álcool evaporou, e ficou mais macio. O aroma é fresco, remetendo principalmente a ervas frescas. Me lembrou hortelã, sálvia, e à própria erva-doce, também.

Ainda restam dois dedos de bebida na garrafa do meu pai. Mas já está na hora de marcarmos uma viagem para a Noruega, buscar outra.


Breve história do Aquavit


Supõe-se que já se consumia aquavit na Noruega em meados do século XIV. A primeira referência escrita, no entanto, data de 13 de abril de 1531, em uma carta enviada pelo superintendente Eske Bille ao Arcebispo de Trondheim.

No início, destilados em geral - incluindo o aquavit - eram produzidos de grãos, que era a única matéria-prima disponível nos países nórdicos. Porém, o clima rigoroso freqüentemente implicava em prejuízo da colheita, e conseqüente falta de abastecimento, levando a população à fome. Em épocas de colheitas ruins, a produção de destilados era proibida. A batata chegou à Escandinávia no Século XVIII, e logo ela substituiu o papel dos grãos na produção de destilados. A batata, além de menos suscetível ao clima, tinha um rendimento muito maior na produção de destilado. Uma mesma área plantada com batatas rendia 4 vezes mais destilado do que uma plantada com milho, por exemplo.

A primeira viagem de navio que levou aquavit ao sul do Equador ocorreu em 1805. Uma carga norueguesa, com arenque e bacalhau secos, levou também alguns barris de aquavit, para vender na Indonésia, à época, dominada pelos holandeses. Os clientes ficaram com os peixes, mas não se interessaram pela bebida, mais acostumados a produzir seus próprios destilados. O navio, então, voltou com a carga, chegando na Noruega em 1807. No retorno, chegou-se à conclusão de que o destilado estava muito melhor do que quando partiu. Assim nasceu o Linie Aquavit.

Uma anedota interessante: em 1919, um referendo aprovou a proibição ao consumo de álcool, que no entanto, continuou permitido apenas para fins medicinais. Apesar de não haver provas, o aquavit sempre foi considerado um remédio para diversos males (o nome, que se traduz por "água da vida" se baseia nessa crença). Mesmo com a proibição, o aquavit era permitido com prescrição médica. Com isso, chegaram a ser emitidas 1,8 milhão de receitas para destilados, em um ano. A proibição foi suspensa em 1927, e em troca, foi criado o sistema de monopólio do estado, na produção e venda de bebidas alcoólicas (Vinmonopolet). O monopólio de vendas persiste até hoje.

Para se aprofundar


4 comentários:

  1. É realmente uma bebida diferenciada e que com o tempo,tornou-se mais suave,não quer dizer mais saborosa.

    ResponderExcluir
  2. Realmente, vocês explicaram muito bom. Muito bom....Obrigada

    ResponderExcluir
  3. Tive, acesso e então conhecimento do aquavit, produzido e usado como medicação em Marselha mais ou menos nos anos de 1800 e algo mais, de uvas.

    ResponderExcluir
  4. Tenho uma garrafa fechada que ganhei em 1996 quando trabalhei em empresa Norueguesa.

    ResponderExcluir

Sintam-se livres para comentar, criticar, ou fazer perguntas. É possível comentar anonimamente, com perfil do Google, ou com qualquer uma das formas disponíveis abaixo. Caso prefiram, podem enviar uma mensagem privada para sobrevinhoseafins@gmail.com.