28 de junho de 2016

Os velhinhos

Tenho um amigo que gosta de viver perigosamente. Em mais de uma ocasião, encontrou vinhos velhos, sendo vendidos a preços muito baratos em um outlet de vinhos, e resolveu comprar alguns para experimentar, ou em suas palavras, "conhecer como é o vinho que passou do ponto". Ele trouxe quatro desses vinhos em diferentes encontros da confraria, para analisarmos juntos.

Francês do Roussillon

O primeiro 'velhinho' foi o Le Canon du Marechal Muscat-Viognier 2006, produzido pelo Domaine Cazes, da região do Roussillon (sul da França). É um branco seco e, considerando que é feito de Moscatel, seria de se esperar que fosse bem aromático. Mas consultando a ficha técnica da safra mais recente, o produtor recomenda consumi-lo em 2 ou 3 anos. Ou seja, as perspectivas não eram boas.

Ao servi-lo, era possível perceber sua cor cobre, mostrando estar bem oxidado. Seus aromas eram também completamente terciários, sem nenhum traço da Moscatel (muito menos da Viognier). No início, predominantemente químico, 'farmacêutico', com cânfora, iodo, e esparadrapo. Respirando um pouco, esses aromas foram se dissipando, e dando lugar a amêndoas e avelãs. Como vinho oxidado não faz mal à saúde, arriscamos prová-lo. A acidez estava baixa - mas ainda restava um pouco - e o álcool sobrava; e os aromas de boca eram de frutas secas. Não estava imbebível, e até que se mostrou um bom par para o patê de damascos! Mas certamente, já estava passado, em decadência.


Italiano da Campania

Em outra ocasião, ele trouxe um italiano Campania IGT Bianco 2006, que foi produzido pela Terredora. Hoje em dia, ele deve se tratar do vinho chamado Il Bianco, no portfólio atual da vinícola, apesar de ser um corte ligeiramente diferente do atual. De qualquer maneira, é um dos vinhos mais básicos da vinícola. Eu não tenho informação de qual seria o seu tempo de guarda, mas certamente 10 anos é demais para um vinho branco de baixa gama.

Apesar disso, ele estava um pouquinho melhor que o francês. A cor ainda conservava um dourado, intenso e fosco. No início, o aroma de farmácia velha, estilo boticário, dava o ar da graça na taça. Mas ele ainda conservava uma quantidade razoável de aroma frutado; e a acidez, apesar de já deixar a desejar, estava melhor que no primeiro. Além do mais, a sua salinidade ajudava a torná-lo vivo. Ainda assim, acho que ele também já tinha passado do seu ponto ideal de consumo.


Rosé de Malbec

Ele nos trouxe ainda um rosé com 12 anos, imagina? Isso é que é viver perigosamente! Os rosés são os mais frágeis, os mais difíceis de se envelhecer bem. Imagina como seria um rosé de 12 anos? O vinho em questão era o argentino Alta Vista Premium Rosé Malbec 2004. Na safra mais recente, o produtor, Alta Vista, recomenda uma guarda de 2 anos. O que poderíamos esperar dele?

A cor, intensa, mostrava reflexos alaranjados intensos, e pouquíssimo brilho. No nariz, muita farmácia de boticário, cânfora, esmalte, esparadrapo. Procurando muito, uma bala de morango embebida em álcool. A acidez era muito baixa, e o álcool sobrando ajudava a reforçar mais o cheiro de enfermaria. Imbebível.


Soave

O último dos velhinhos era até mais jovenzinho, o Soave 2010. produzido pela Azienda Agricola Brigaldara. O site do produtor também não informa uma expectativa de guarda do vinho, mas pelo estilo da região, pela descrição do produtor, não creio que seja um vinho para se guardar 6 anos.

Ao sacar a rolha, ela se pulverizou, e não teve outra coisa a fazer que não empurrar o restante para dentro da garrafa. Ficaram muitos pedacinhos de rolha, quase pó, dentro do vinho. Infelizmente, não tínhamos uma peneirinha para vinhos, então resolvemos coar com um filtro de papel para café! É, estávamos com tempo e disposição, para tentar salvar um vinho que provavelmente estava morto...

A cor do vinho estava acobreada, chegando ao âmbar. O aroma era fraco, com predomínio de notas oxidadas, como amêndoas tostadas, mas sem as notas de farmácia dos três anteriores. Na boca, restava alguma acidez - pouca, mas suficiente para não deixar nenhum álcool sobrando - e uma fruta discreta, como geléia de abacaxi com manga e physalys, além de notas de melado e amêndoas tostadas. O final era curto, curto. Mesmo já claramente em decadência, era mesmo o que ainda estava mais vivo.


A oxidação é uma ocorrência mais do que esperada na evolução de um vinho. Por melhor que seja a rolha, inevitavelmente, o vinho oxida com o tempo. A cor do vinho muda, e no caso dos brancos, escurece, e tende ao cobre ou âmbar. Os aromas primários (de fruta) desaparecem, e dão lugar a aromas terciários (avelãs e amêndoas tostadas, similares ao Jerez ou Porto Tawny). A oxidação ocorre mesmo antes de o vinho chegar ao fim da vida, e às vezes pode ser percebida e esperada em vinhos mais velhos. Mas os aromas resultantes devem ocorrer em concomitância com aromas frutados.

Os aromas de farmácia, por sua vez, são produzidos por leveduras do gênero brettanomyces. Alguns produtores consideram o brett uma forma de contaminação, que deve ser evitada a todo custo. Outros, consideram que elas podem trazer complexidade ao vinho, e portanto, quando o aroma é fraco, pode ser positivo, afinal, um toque mentolado na taça é agradável. Mas quando o aroma predomina, aí não tem salvação.

Alto nível de oxidação, acidez baixa, álcool sobrando, e de quebra, os aromas medicinais (cânfora, esparadrapo, boticário). Amargor também poderia ocorrer, mas não foi o caso. Ainda assim, essas quatro experiências demonstraram bem o que esperar de um vinho que foi guardado por tempo demais.

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