"...um vinho invulgar e desconforme com tudo o que possa representar a rotina e os padrões estabelecidos..."
Rui Falcão: Um premier cru português
O clássico ignorado pela legislação portuguesa
Os vinhos do Bussaco são produzidos pelo Palace Hotel do Bussaco (*), um suntuoso palácio da monarquia portuguesa, construido entre 1888 e 1907, e transformado em hotel de luxo.Desde 1917, o hotel produz dois vinhos, um branco e um tinto, inicialmente produzidos exclusivamente para serem servidos no próprio restaurante. Como o hotel fica localizado na divisa entre as regiões da Bairrada e Dão, o vinho é produzido com uma mescla de uvas de uma e de outra região.
Acontece que, pela lei portuguesa, um vinho que utiliza uvas procedentes de diferentes regiões não pode se classificar como uma DOC, nem uma IGP. Ou seja, ele acaba sendo classificado como um Vinho de Mesa, o mais baixo patamar da classificação portuguesa. No entanto, a classificação em nada corresponde à fama e à qualidade dos vinhos. Produzidos da mesma forma desde o início, eles são famosos por durar décadas, evoluindo com grande elegância, e adquirindo enorme complexidade. A cave do hotel possui garrafas de quase todas as safras desde 1945, e quem provou recentemente, garante que eles estão em plenas condições. Ou melhor, espetaculares.
São vinhos míticos, respeitados pelos maiores especialistas, mas vivem à margem da legislação portuguesa (ou alheios a ela). Até mesmo o termo Reserva - que constava no rótulo antigamente - passou a ser vetado aos vinhos do Bussaco, e por isso, agora o rótulo consta como Reservado. A indiferença com que são tratados pela legislação não incomoda o atual responsável pela cave do hotel, António Rocha. O objetivo segue sendo o de atender aos clientes do hotel, e quem conhece sabe que se tratam de alguns dos grandes vinhos de Portugal.
(*) Observação: as duas grafias - Bussaco e Buçaco - são aceitas, sendo que Buçaco é normalmente utilizado para se referir ao vinho, e Bussaco, para se referir ao hotel.
Buçaco Branco 2003
Conforme dito acima, os vinhos são feitos da mesma forma, desde 1917. Os brancos são feitos a partir de uvas Bical e Maria Gomes provenientes da Bairrada, e Encruzado, proveniente do Dão. As uvas são colocadas juntas para fermentar, em lagares abertos, sem controle de temperatura. Após a fermentação, passam 12 meses em barricas, e no mínimo mais dois anos em garrafa, antes de serem disponibilizados no restaurante.O vinho, com 13 anos de idade, mostra uma cor amarelo-palha de média intensidade, como se tivesse acabado de ser engarrafado. O senso comum de todos no grupo era de que um vinho com tal potencial merecia um período respirando no decanter, mas esta não era a recomendação da importadora. Portanto, abrimos praticamente na hora de servir. Inicialmente tímido, foi se abrindo rapidamente na taça, com uma ampla paleta de aromas: algo de flor, cera, petrolato, um toque de boticário, frutas cítricas, abacaxi, mel. Mesmo com aromas terciários começando a se mostrar, o predomínio é da fruta.
Na boca, ele se caracterizou por um grande volume, uma boa untuosidade, mas era a bela acidez que se destacava. Curiosamente, percebemos uma leve adstringência, algo pouco comum de um vinho branco. Apesar de na boca ser possível perceber a estrutura de um vinho com passagem em madeira, no nariz, não distingui uma nota empireumática distinta; o que para mim aumentou ainda mais o conceito do vinho. Na persistência aromática longa, destacavam-se os aromas frutados, cítricos e melados. Se já estava tão bom, imagina como ficaria se tivesse passado por um tempo no decanter.
Ao final da degustação, ao lado de outros ótimos vinhos portugueses, tivemos de jantar um bacalhau com natas. E o vinho acompanhou com perfeição, mostrando sua vocação gastronômica. Afinal, foi para isso que ele foi feito.
Para conhecer um pouco mais o hotel e sua cave - e dar água na boca - indico o vídeo abaixo. Trata-se do episódio sobre a Bairrada, da série Verdade do Vinho, produzido pela emissora RTP, de Portugal. Apenas os primeiros minutos tratam do hotel.
Para mais informações
Recomendo, também, os textos abaixo:- Rui Falcão: Um premier cru português
- Revista Adega: Estilo Manuelino
- Wine & Lifestile Report: Buçaco wines: tasting history
Nossa, Parabéns pelo Blog! Muito bom! Fazendo uma pesquisa acabei caindo em posts antigos mas fiquei feliz em ver que é atualizado constantemente. Estou recentemente iniciada no mundo dos vinhos e me apaixono a cada dia. :)
ResponderExcluirObrigado, Mayra! Fico feliz que o blog lhe seja útil!
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