Após o fim da União Soviética, a indústria vinícola da Bulgária passou por uma grave recessão. Se na época da Cortina de Ferro, o país foi escolhido como o principal fornecedor de vinhos do bloco soviético - e chegou à posição de segundo maior produtor de vinhos do mundo (atrás apenas da França) - após 1990, a produção vinícola entrou em uma grave crise. Em primeiro lugar, as prioridades mudaram. Se antes, recebiam de outros países alimentos em troca de vinho, com o desmantelamento do bloco comunista, a prioridade passou a ser produzir alimento localmente. As terras foram privatizadas, divididas em pequenas parcelas, dadas a agricultores; e milhares de hectares de vinhas foram arrancadas, e substituídas por culturas de grãos e de batatas. Além disso, a produção remanescente passou a focar apenas na produtividade: os viticultores queriam produzir mais uvas, pois vendiam por peso; e as vinícolas também não se importavam com a qualidade das uvas, apenas queriam produzir o máximo de vinho possível. A qualidade caiu drasticamente, e junto, caiu o interesse de mercados estrangeiros, que foram grandes importadores de vinho búlgaro.
Este cenário só começou a ser revertido após o início do Século XXI, com a chegada de investimento e conhecimento estrangeiros, principalmente da União Européia. A UE patrocinou diretamente replantio de vinhedos, e modernização do maquinário e da planta produtiva; mas também investidores particulares europeus vieram se instalar e produzir vinhos, explorando o potencial vinícola do país.
Um exemplo dessa nova onda foi a Bessa Valley Winery, fundada na Trácia, em 2001. Um grupo de investidores e enólogos, alemães e franceses, compraram parcelas de terra de 800 agricultores diferentes, para formar a propriedade de 250ha (com 140ha plantados de vinhas). Construiram instalações modernas, trouxeram investimento e know-how, para cultivar variedades estrangeiras (principalmente Merlot, mas também Syrah, Petit Verdot e Cabernet Sauvignon). A produção, apenas de vinhos tintos e rosés, tem como principal destino a exportação: Reino Unido, Alemanha, Áustria, Suíça, Canadá, Estados Unidos e Rússia. Uma pequena parte vem para o Brasil, importada pela Winelands.
Eu já havia comentado a respeito de um vinho deles, o Enira 2008 (aqui), que foi distribuído pelo Clube, lá em 2013. Como eu havia gostado, quis conhecer também o vinho da categoria superior, o Enira Reserva 2007, porém ele tem o preço um pouco mais alto, além do que eu costumo pagar (R$220, para membros do clube). A oportunidade veio quando chegou a minha vez de organizar o encontro de uma de minhas confrarias. Sugeri como tema a Bulgária, algo que todos gostaram; e assim coloquei este vinho no painel. Rateando entre todos, não saiu caro.
O Enira Reserva 2007 é um corte das 4 variedades cultivadas na propriedade, e predominância de Merlot; apesar de a composição variar ano a ano, em função da qualidade das uvas. Em 2007, ela correspondeu a 66% do vinho. Após colheita manual e seleção das uvas, elas foram prensadas e colocadas em tanques de concreto para maceração pré-fermentativa (a frio) por 5 a 8 dias; em seguida, a temperatura foi elevada a 26ºC, e as leveduras adicionadas, para a fermentação alcoólica, que levou 10 dias; e o vinho ainda ficou em maceração pós-fermentativa por mais 5 a 8 dias, antes de ser colocado em barris franceses, onde estagiou por 16 a 18 meses (40% novos, 40% de 1 uso, e restante de 2 usos).
Era mesmo esperado que ele fosse o melhor da noite; por isso, eu o havia colocado no decanter; ficou ali por duas horas, e foi o último a ser degustado. Tinha cor rubi intensa, sem halos significativos, e sem borras. O aroma era de boa complexidade, e média intensidade: mentolado e notas tostadas num primeiro plano, leve balsâmico, especiarias e frutas negras maduras ao fundo. Na boca, a fruta ganhava destaque; o bom corpo e alta acidez garantiam que o álcool estava totalmente equilibrado; os taninos, apesar de intensos, eram finos e agradáveis; e a longa persistência ressaltava notas empireumáticas, como café e chocolate amargo.
Como avaliação final, o vinho de 2007 não mostrou traços da idade, e certamente tem ainda muitos anos pela frente; mostrou excelente equilíbrio, bom corpo, frescor, complexidade e persistência. A única coisa a apontar é que, para o meu paladar, a madeira se sobressaiu um pouquinho à fruta, mas nada que o comprometesse. É um vinho superlativo, e confirme adiantei, foi eleito o melhor da noite, por unanimidade.
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