20 de outubro de 2016

Chateau Montelena Chardonnay 2011

Neste mês de outubro, completamos um ano da Nossa Confraria. Um ano delicioso, de novos amigos reunidos em torno de boa comida, bons vinhos e boa companhia. Para comemorar em grande estilo, o nosso encontro do mês teve como tema o Chateau Montelena Chardonnay - o vinho que ficou famoso na mítica degustação de Paris de 1976. No nosso evento, tivemos 3 garrafas de 2011, que correspondem à safra que comemorou os 40 anos da atual fase da vinícola.


O Chateau e o Julgamento de Paris

Até 1976, os vinhos franceses reinavam quase absolutos entre os mais respeitados do mundo. Alguns poucos vinhos italianos, portugueses ou espanhóis podiam gozar de status equivalente; mas das Américas, nem pensar. Tudo mudou quando um comerciante britânico, chamado Steven Spurrier, e sua sócia norte-americana, Patricia Gallagher, resolveram promover uma degustação comparando vinhos da Califórnia a grandes clássicos franceses. O objetivo era a promoção de sua loja, localizada em Paris, aproveitando o gancho do bicentenário da independência dos Estados Unidos. Ele viajou à Califórnia, onde escolheu os vinhos de que mais havia gostado: alguns Chardonnays entre os brancos, e Cabernets Sauvignons entre os tintos. Entre os franceses, escolheu alguns clássicos brancos da Borgonha - terra natal da Chardonnay - e tintos tops de Bordeaux.

A degustação foi realizada em Paris, por jurados franceses, às cegas. E a crença na superioridade dos franceses era tamanha, que quase nenhum jornalista se interessou em cobrir o evento. Mas para a surpresa de todos - até mesmo dos organizadores - os americanos ganharam tanto entre os brancos, quanto entre os tintos. E apesar de contestações à época, o que parecia ser um evento sem nenhum interesse, se transformou em um marco histórico: ele ajudou a abrir os olhos do mundo para a qualidade dos vinhos californianos - e de todo o mundo - e a mudar o panorama vinícola mundial [*].

O Chateau Montelena Chardonnay 1973 foi o vencedor entre os brancos; e se não bastasse a fama trazida pela degustação em si, ficou ainda mais famoso por causa de um filme Holliwodiano que foi vagamente inspirado pela famosa degustação (Bottle Shock, 2008). Vale notar ainda que a safra vencedora foi produzida no segundo ano de funcionamento da vinícola, e com uvas compradas de outros produtores, apenas para gerar um pequeno fluxo de caixa, enquanto as vinhas de Cabernet Sauvignon adquiriam idade suficiente para serem produtivas. É verdade que a propriedade existia desde 1888, e produziu vinho em seu passado. No entanto, ela ficou mais de 2 décadas inativa, até que foi comprada em 1971, e seus vinhedos replantados.


Expectativa versus realidade

Já li por aí que o Chateau Montelena vive da fama, e que a qualidade de seus vinhos não corresponde mais à da época [*]. Bem, eu certamente não tomei os vinhos da década de 1970, mas estes da safra 2011, com 5 anos de idade, mostraram ser excelentes vinhos. É verdade, ele não esconde que se trata de um Chardonnay barricado, e a baunilha está lá, bem presente. Mas ele mostra muito mais complexidade, jovialidade e elegância que os brancos barricados que costumamos encontrar por aí. É verdade que é caro; e principalmente no Brasil, aumentou muito o preço este ano (quando a famosa degustação de Paris completou 40 anos). Mas nos Estados Unidos, pode ser adquirido por US$50 (safra mais atual, na própria vinícola), o que não está tão acima da qualidade que apresenta.

E exceto por algumas opiniões desdenhosas aqui e acolá (pois meter o pau a esmo 'dá muito mais Ibope'), em geral, as opiniões sobre o vinho são de que seu perfil, ainda hoje, se assemelha mais ao estilo "Velho Mundo" que ao "Novo Mundo". Em outras palavras, em vez de encontrar aquela baunilha enjoativa, aquele abacaxi em calda e baixa acidez, o consumidor irá se deparar com um vinho mais elegante, com uma estrutura que o permite envelhecer por vários anos, e com o tempo, irá adquirir cada vez mais complexidade. A vinícola não disponibiliza uma ficha técnica com muitas informações, mas em alguns poucos detalhes mostra os indícios desse estilo mais 'europeu': é envelhecido por 10 meses em barricas de carvalho francês, sendo apenas 10% novas.


Chateau Montelena 2011

Com 5 anos de idade, o vinho mostrava cor palha de baixa intensidade, bem jovial. Como haviam 3 garrafas, passei uma para o decanter, onde permaneceu por 2 horas; a segunda garrafa, abri para servir ao mesmo tempo que o do decanter; e uma terceira garrafa, abri mais tarde, após terminarmos com as duas primeiras. Foi possível perceber que ele não precisava de decanter: já mostrava intensidade, muita fruta, aromas da madeira (chocolate branco e baunilha eram os mais evidentes, no início), notas de mel, toque cítrico, além de equilíbrio, acidez refrescante, mineralidade (sensação salina), uma untuosidade amanteigada no palato - característica desses Chardonnays - e, para completar, ótima persistência. O tempo no decanter pouco afetou, e ajudou apenas a aumentar um pouquinho a paleta aromática, revelando notas de coco e avelãs. Querer mais o quê de um vinho?

No final do encontro, tivemos um creme de caranguejo preparado por uma de nossas confrades. Preparou para nós sua receita antiga, que só faz em ocasiões muito especiais: a partir dos bichos inteiros, cozinhou todos, e depois quebrou e desfiou um a um. Uma vez desfiados, eles ficaram marinando no leite com os temperos, por 24 horas. Na hora da confraria, colocou tudo em uma panela, um pouco de farinha de trigo diluída em leite pra ajudar a engrossar, e começou a cozinhar em fogo bem baixo, e mexendo constantemente. O leite foi reduzindo, e engrossando naturalmente, e no final, parecia até que tinha levado creme de leite. Casou perfeitamente com a untuosidade amanteigada e aroma de coco do vinho. O creme estava uma delícia, e a combinação com o vinho, então, um espetáculo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sintam-se livres para comentar, criticar, ou fazer perguntas. É possível comentar anonimamente, com perfil do Google, ou com qualquer uma das formas disponíveis abaixo. Caso prefiram, podem enviar uma mensagem privada para sobrevinhoseafins@gmail.com.