Mas você sabe por que a cidade do Porto foi escolhida como porto de embarque para exportação? Sabia que ele nem sempre foi licoroso? Que foi a primeira denominação de origem controlada do mundo? Sabe por que as caves ficam em Vila Nova de Gaia, e não no Porto? Então, leia este breve relato da história do vinho e entenda como ele se tornou o que é.
- Para conhecer mais sobre os vinhos, tipos e características, leia Dos Vinhos do Porto.
Vista da cidade do Porto, a partir de Vila Nova de Gaia |
As origens
Já se produzia vinho no Alto Douro desde pelo menos o século III, mas destinado somente ao consumo local. Foi apenas a partir do final do século XVII que os ventos começaram a mudar, iniciando o caminho que levou o Vinho do Porto ao que é hoje.Nessa época, a França, principalmente Bordeaux, era o principal fornecedor de vinhos para o mercado inglês. Porém, disputas políticas entre França e Inglaterra levaram o Rei Charles II da Inglaterra a decretar embargo aos produtos franceses, inclusive o vinho. Isso aumentou a procura dos comerciantes ingleses pelos vinhos da Península Ibérica. Na época, Portugal e Inglaterra já possuíam laços comerciais diferenciados, e comerciantes ingleses tinham o direito de residir em território português, e de comercializar em condições de igualdade com os locais.
Os primeiros vinhos a serem importados pelos ingleses teriam sido aqueles produzidos mais próximos à costa, na região do Minho. Porém, os vinhos leves e adstringentes, produzidos em um clima muito úmido, não foram do agrado dos consumidores ingleses, o que levou os comerciantes a seguirem terra adentro, procurando por vinhos mais robustos. [*]
Encontraram a qualidade que queriam no Alto Douro, região quente e árida. No entanto, o escoamento da produção por terra era impossibilitada pelo terreno montanhoso, e o vinho precisava ser escoado de barco, pelo Rio Douro, até a cidade do Porto. Os comerciantes passaram, assim, a se estabelecer na cidade do Porto, de onde o vinho seguia viagem para a Inglaterra.
O Douro, na altura de Peso da Régua |
A 1ª Denominação de Origem Controlada da história
A partir do início do século XVIII, o vinho do Porto atingiu grande prosperidade e renome, e junto vieram as práticas fraudulentas. A produção cresceu em demasia, ao mesmo tempo em que o consumo caiu vertiginosamente, devido à desconfiança do consumidor, por sucessivos casos de adulterações. Isso levou o Ministro de Estado de Portugal à época, o Marquês de Pombal, a adotar medidas de controle sobre a produção, para assegurar a qualidade, e sobre o comércio, para estabilizar os preços.Assim, em 1756, fundou a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, que passou a deter o monopólio no comércio dos vinhos (este monopólio durou até 1865). Além disso, tomou medidas para conter abusos, e criou uma qualificação dos vinhos em termos de qualidade, estabelecendo preços diferenciados, sendo que apenas os melhores produtos tinham direito de serem vendidos para exportação.
No mesmo ano, demarcou a região, assinalando a área de produção autorizada com 335 pilares de pedra, conhecidos com marcos pombalinos. Alguns destes marcos de pedra ainda podem ser encontrados, seja em algumas propriedades, seja no saguão de entrada da sede do Instituto do Vinho do Douro e do Porto.
O Marquês de Pombal havia, assim, estabelecido a base do conceito de DOC. As medidas, impopulares à época, foram muito contestadas, mas rapidamente trouxeram o resultado esperado, resguardando a reputação do Vinho do Porto, e trazendo novos ares de prosperidade para a região.
Marco Pombalino, na Quinta de Mattos, próximo a Peso da Régua |
O surgimento da fortificação
No início, o vinho não era licoroso como o de hoje. Para conservá-lo melhor durante a viagem até a Inglaterra, era costume adicionar um pouco de Brandy ao vinho pronto, mas isso nada tem a ver com o processo de fortificação. Este estilo era conhecido como "vinho de embarque".Diz a lenda que em 1820, houve um calor muito intenso durante a maturação, de forma que as uvas acumularam quantidades de açúcar tão grandes, que as leveduras não conseguiram consumir todo o açúcar, o que resultou em um vinho doce. Vale lembrar que as leveduras só conseguem realizar a fermentação até aproximadamente 15% de álcool (dependendo da levedura).
O vinho doce daquele ano teria sido um grande sucesso, de forma que alguns produtores começaram a tentar reproduzir o vinho nos anos seguintes, interrompendo a fermentação na metade. Seguramente este método não teve aceitação total de imediato, e foi muito contestada. Porém o sucesso dos vinhos tornou a prática cada vez mais difundida, e a partir de 1850 já era prática universal. O processo de fortificação permitiu o desenvolvimento das formas de amadurecimento características do vinho do Porto. Com altos teores de álcool e açúcar, os vinhos podiam envelhecer por décadas.
Vestígios da Linha do Douro, em estação abandonada. A linha segue em funcionamento, mas não serve mais às últimas estações antes da fronteira com a Espanha. |
Expansão para o Douro Superior
Até o final do século XVIII, a exploração do Vinho do Porto se limitava ao Alto Douro (mais ou menos a região que engloba os municípios de Régua e Pinhão). O Douro Superior, mais próximo à Espanha, era demasiado remoto. O transporte do vinho, à época, dependia completamente do Rio Douro, porém a navegação se via obstruída por um desfiladeiro seguido de uma queda d'água formada por afloramentos rochosos. Em 1780 começaram os trabalhos de demolição das rochas, sendo concluído em 1791, finalmente permitindo o acesso fluvial ao Douro Superior, e tornando viável sua exploração no cultivo de vinhos.À época, antes da construção de sucessivas barragens, o curso do Douro possuía áreas de corredeiras turbulentas e bancos de areia, que tornavam a navegação um tanto arriscada, e limitava o tamanho das embarcações (chamadas rabelos) que realizavam o transporte dos vinhos. Porém, apenas em 1887 foi concluída a Linha do Douro, estrada de ferro que percorria todo o caminho à margem do rio desde o Porto, até a Espanha, fornecendo pela primeira vez uma alternativa à rota de barco. Os rabelos ainda seguiram sendo usados durante décadas, tendo entrado em decadência apenas com o desenvolvimento do transporte rodoviário. A última viagem comercial de rabelo ocorreu em 1964.
A bela estação de Pinhão, toda decorada por painéis de azulejos, segue em operação |
Entreposto de Vila Nova de Gaia
Quem já foi ao Porto, sabe que as caves dos produtores não ficam no Porto, e sim em Vila Nova de Gaia, a cidade vizinha, que fica à margem oposta do Rio Douro. Isso ocorre porque, na margem esquerda, ao sul, a insolação é menor, e por isso as caves tinham temperatura mais amena, resultando em condições melhores para a conservação dos vinhos.Em 1926, o recém empossado governo militar criou o Entreposto de Vila Nova de Gaia, e instituiu que todos os produtores de Vinho do Porto teriam que manter ali seus armazéns de envelhecimento. Isso significava na prática, que os produtores estabelecidos no Douro não poderiam mais negociar diretamente seus vinhos, e se viam limitados unicamente a vender sua produção para as grandes empresas já estabelecidas em Vila Nova de Gaia, ou utilizar o vinho para consumo próprio.
Essa legislação só foi modificada em 1978. Desde então, mais e mais propriedades no Douro se lançaram a comercializar suas próprias marcas de Vinho do Porto.
Vista do Porto, e da Ponte Luis I, que conecta a Vila Nova de Gaia |
Fontes
Para se aprofundar na história do rio e do vinho, indico os links abaixo:Taylors: o nascimento do Vinho do Porto
Porto: um vinho com história
Indico, ainda, um excelente relato da navegação rio acima, permeada da história e de fotos da paisagem:
Rio Douro acima com a Dacia Aventura 4x2
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