Um vinho branco com 18 anos, em geral, seria um grande risco; mas não se for um Viña Tondonia Blanco Reserva. Trata-se da principal marca das Bodegas López de Heredia, um ícone de Rioja, famoso por vinhos brancos e tintos de grande longevidade. Este branco, por exemplo, só é vendido após 10 anos de guarda.
Vivendo a história
As bodegas foram fundadas em 1877 - há 140 anos - por Don Rafael López de Heredia. Don Rafael era de origem vasca, mas nascido em Santiago do Chile. Foi para a Espanha estudar, e vivenciou de perto a História desse país. Primeiro, virou combatente em uma guerra civil, conhecida como a terceira Guerra Carlista. Com seu exército derrotado, ele se exilou na França, e lá teve contato com a produção de vinho. Naquela época, o míldio e a filoxera estavam devastando os vinhedos franceses, e a convite de um amigo francês, foi para Haro, na Rioja, onde os produtores de Bordeaux passaram a buscar vinho para abastecer seus clientes - isso porque as pragas ainda não haviam chegado à Espanha. Essa época representou um boom na produção de Rioja, que a elevou à fama de hoje.
Paladar do Século XIX
Julio César López de Heredia é o atual proprietário, bisneto de Don Rafael, e segue produzindo os vinhos exatamente do mesmo jeito que seu bisavô, seu avô e seu pai. Como ele bem diz, com seus vinhos "nos traladamos a los paladares que disfrutaban nuestros avuelos".Há 140 anos, não existiam tanques de inox, portanto, os vinhos fermentavam e eram guardados em tanques e barris de carvalho; tanto os tintos, quanto os brancos. E assim, fazem até hoje nas Bodegas López. Todos eles, tintos e brancos, fermentam em tanques de carvalho, e posteriormente envelhecem em barris por alguns anos.
A madeira é o coração dos seus vinhos. As bodegas possuem 72 tanques - alguns com mais de 100 anos - e 12 mil barricas em uma cave subterrânea de 3700 m2, que demorou 3 anos para ser toda escavada na pedra. E conta também com uma tanoaria própria, que atua tanto na manutenção quanto na construção de novas barricas.
Mas não pense que se tratam de sucos de carvalho. A madeira aporta aromas, é claro, mas principalmente, dá estrutura, e permite uma lenta micro-oxigenação que traz estabilidade e também complexidade. Para não marcar demais com a madeira, o uso é escalonado com barricas novas e usadas, sendo que elas podem ser reusadas por até 20 ou 25 anos, graças ao trabalho de manutenção de sua oficina de tanoaria.
De acordo com Julio César, os tonéis e barricas têm ainda mais um propósito: elas mantém dentro da bodega um ecossistema de leveduras específico que atua no vinho e lhe imprime o caráter da bodega. Ele nunca precisou comprar leveduras selecionadas, já que seus vinhos fermentam naturalmente com esse ecossistema presente na madeira dos tanques.
De volta à moda
Hoje, seus vinhos brancos estão na moda novamente, mas nem sempre foi assim. A partir da década de 1970, quando se popularizaram os tanques de aço inox, esses brancos Reservas saíram da moda. Rioja, que até então produzia quantidades equivalentes de brancos e tintos, passou a preterir a produção de brancos, e se dedicar aos tintos. O Consejo Regulador da região até mesmo proibiu o plantio de novos vinhedos com variedades brancas, durante décadas.Apesar disso, o avô e o pai de Julio César insistiram em continuar elaborando esses vinhos, apesar do custo de produção e da dificuldade de vendê-lo. Hoje, os brancos Reservas de Rioja voltaram a ter reconhecimento, e o Consejo Regulador voltou a permitir o plantio de novos vinhedos. Mas a ação prejudicial da DO ainda não teve seus efeitos totalmente revertidos: ela criou uma brecha de idades entre os vinhedos. De um lado, vinhedos muito velhos (70, 80 anos) e de produtividade muito baixa, e de outro, vinhedos muito jovens. Isso traz dificuldades técnicas na elaboração dos cortes.
Viña Tondonia Blanco
O Viña Tondonia Blanco Reserva é composto majoritariamente de Viura, uma das uvas brancas mais importantes de toda a Espanha. Um variedade versátil, ela tem afinidade com a madeira, para gerar vinhos com grande capacidade de evolução. O vinho recebe uma pequena adição de Malvasia, que com seu toque floral, contribui com a complexidade aromática. As uvas são colhidas manualmente na primeira metade de outubro, e - assim como todos os vinhos da casa - fermentam em tanques de madeira, com leveduras indígenas (já presentes nas uvas e nos tanques).Após a fermentação, o vinho é colocado em barricas de 225 litros. Nos primeiros meses, realiza a fermentação malolática. Em seguida, é trasfegado para outras barricas, onde começa o envelhecimento. Nos primeiros anos, ele passa por trasfegas a cada 6 meses, sempre eliminando a borra que se deposita durante o período. Após alguns anos, o vinho já está estável, já não contém tanto depósito, e as trasfegas se realizam anualmente. O vinho passa assim entre 5 e 6 anos, até ser engarrafado. Depois disso, passa mais 4 ou 5 anos em garrafa, completando um total de 10 anos de guarda, antes de ser colocado a venda.
Como comentei no início, a garrafa trazida pelo nosso confrade era da safra de 1999. Tinha cor dourada intensa e brilhante, com reflexos acobreados, algo esperado para um branco com essa idade. É o tipo de vinho que necessita calma, para que vá se mostrando com o tempo. Intenso desde o início, o aroma começou com geléia de damasco e de pêssego e toques tostados da madeira. Com o tempo, apareceram notas mais nítidas de coco e avelãs. E mais um pouco, começou a ganhar dimensão um toque cítrico, como uma geléia de kinkan. Na boca, era encorpado, com ótima acidez, álcool discreto, sabor intenso, e longa persistência aromática. Um vinho inesquecível!
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