Mapa da Síria (Original: Commons Wikimedia) |
O Domaine está localizado próximo à cidade portuária de Lataquia, nas encostas da Cadeia de Montanhas Costeiras (Jebel Al-Ansariyé), um maciço montanhoso de 70Km de extensão, que corre paralelo à costa Síria. Na época do Império Romano, essas montanhas eram chamadas de Monte Bargylus, daí o nome da vinícola.
Ela pertence aos irmãos Karim e Sandro Saadé, cristãos ortodoxos de origem síria, radicados no Líbano (onde também possuem outra vinícola, o Château Marsyas). A família Saadé possuía terras nessa parte da Síria até 1960, quando foram desapropriadas pelo governo, e posteriormente migraram para o Líbano. Em 2003, os irmãos Saadé compraram 12 hectares de terras em sua região de origem, para produzir vinho sob consultoria do enólogo francês Stéphane Derenoncourt. Os primeiros vinhos, da safra 2006, foram lançados no mercado em 2010. Atualmente, são produzidas 45 mil garrafas por ano, um tinto e um branco, 100% exportados.
Os vinhedos estão a 900 metros de altitude, em média. A altitude garante grande amplitude térmica, o inverno tem neve, e variedades de ciclo longo têm dificuldade de atingir a maturação (a Cabernet Sauvignon amadurece em novembro). O clima é úmido, e com muito vento, vindo do Mediterrâneo. O solo é pobre em nutrientes, composto de calcário e argila seca.
Risco tangencial
A província da Lataquia é majoritariamente habitada pelos Alauitas, o grupo étnico-religioso ao qual pertence o presidente do país, Bashar Al-Assad. Por isso, é uma das regiões mais fortemente protegidas pelas forças militares. Mesmo assim, durante esse período de guerra, os funcionários já testemunharam combates nos arredores, e vez ou outra os vinhedos foram atingidos por eventuais disparos de morteiros. Devido ao risco de cruzar a fronteira e de serem seqüestrados, nem os proprietários, nem o enólogo puseram os pés em solo sírio desde os início dos conflitos, em 2011: eles coordenam tudo à distância, dependendo completamente dos 35 funcionários, que regem a vinícola. Estes, sejam cristãos ou muçulmanos, só desejam paz e trabalho, e dependem da continuidade da vinícola para prover sustento a suas famílias.Uma das situações mais peculiares é a decisão da data da colheita. Para tomar essa decisão, os proprietários e enólogos fazem questão de provar as uvas, para identificar se atingiram a maturação desejada. E se eles não podem ir ao vinhedo, as uvas vão até eles. Elas são enviadas em sacos de gelo de táxi, que atravessa a fronteira e chega a Beirute, em uma viagem que leva 4 horas, se tudo der certo. No entanto, não é raro que a fronteira esteja fechada. Quando isso ocorre, é necessário tentar novamente no dia seguinte.
Vinho branco
O Bargylus Blanc 2011 é um inusitado corte de Chardonnay (60%) Sauvignon Blanc (40%). A colheita é feita a mão, e após a fermentação, o vinho permanece em tanques de inox por 12 meses sur lies, isto é, com as borras, para ganhar maior estrutura e complexidade.O vinho tinha cor amarelo-palha intensa e brilhante. Sendo um branco com 6 anos, eu o coloquei em decanter por uma hora, para que se abrisse mais. O aroma intenso e complexo trazia geléia de maracujá (creio que da Sauvignon Blanc) e abacaxi maduro (da Chardonnay), além de notas de melado, manteiga e coco, apesar de não ter tido envelhecimento em barril. Na boca, ele se mostrou encorpado, untuoso, com alta acidez, álcool bem integrado, e longa persistência. Sua estrutura e acidez estavam à altura de uma deliciosa caldeirada de frutos do mar, acompanhada de pirão, farofa de banana e arroz com coco.
Referências
Abaixo, disponibilizo o link para algumas reportagens a respeito da vinícola:- Syrian vineyard making the world's most dangerous wine (The Telegraph)
- Domaine de Bargylus: From war zones to posh restaurants abroad (The Arab Weekly)
- Syrie: le vin le plus dangereux du monde (Arte TV)
- Making Wine In The Midst Of The Syrian Civil War (Vinepair)
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