Vinhas velhas de Carignan no Chile, que foram abandonadas no passado, mas têm sido resgatadas na última década, estão mais associadas ao Vale do Maule, como comprova o projeto Vigno. Mas o vinhedo silvestre de Enrique e Rita Villalobos são uma exceção à regra: plantado entre as décadas de 1940 e 1950, na zona costeira do Vale de Colchagua, o vinhedo passou 60 anos abandonado. Os 4 hectares de vinhas foram tomados pelo mato, e pela mata; e as videiras sobreviveram e cresceram sem intervenção humana, em meio à vegetação.
O vinhedo está a 30Km do mar, em zona de secano (como os chilenos se referem a vinhedos sem irrigação). A chuva, concentrada no inverno, é suficiente para manter as plantas durante o resto do ano. No verão, a temperatura pode variar de 30ºC a 10ºC entre o dia e a noite. O ecossistema formado dispensa tratamentos fitossanitários, e a 'poda' está a cargo dos cavalos.
A propriedade de Villalobos está em um lugar chamado de Valle de los Artistas [*], uma propriedade convertida em uma espécie de coliving de artistas, que trocaram parcelas de terrenos por obras de arte. Enrique e sua mulher, que vivem da arte, nunca tinham produzido vinhos, mas foram convencidos por um amigo e em 2008 resolveram se aventurar no ramo. Conta com amigos e familiares para se embrenharem no mato para colher as uvas.
O vinho fermenta com leveduras nativas, e sem nenhuma espécie de correção química. Estagia 12 meses em barricas de carvalho francês (que imagino sejam reusadas muitas vezes), e posteriormente é decantado por gravidade, para eliminar a borra, sem filtração. Tanto o equipamento usado na vinificação quanto o rótulo foram desenhados por Enrique.
Eu tomei conhecimento deste vinho pelo blog da Lis Cereja, a maior divulgadora de vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos, no Brasil. Creio que ele já seja importado no Brasil, mas a minha garrafa veio do Chile. Como um vinho leve, fresco e sem muita adstringência, ele pode ser servido um pouquinho mais frio do que outros tintos, sendo uma ótima pedida para um tinto em um dia mais quente.
Ao vertê-lo na taça, ele mostrava uma cor rubi de baixa intensidade. O nariz era modesto, mas fresco e complexo. Aos tradicionais aromas de frutas vermelhas, flores e especiarias, se somavam notas 'pouco usuais' para os vinhos industriais a que normalmente estamos mais acostumados (mas que costumam ocorrer em vinhos 'naturebas'): desde o início, tinha uma nota bastante nítida de giz, e com o tempo, passou a lembrar também casca de laranja. Na boca, era leve, com álcool discreto, e taninos leves e ao mesmo tempo algo rústicos, o que até lhe dava uma graça a mais. Um vinho bem legal, que vale a pena conhecer.
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