A vista da janela de um avião frequentemente nos brinda com imagens muito interessantes. A vista dos topos cobertos de neve dos Andes, na travessia a caminho de Santiago, por exemplo, é arrebatadora.
O vôo entre Santiago e Puerto Montt é certamente menos impressionante, no entanto, não menos revelador em relação à peculiar geografia do país, ao menos para alguém atento e ciente. O trajeto de pouco menos de duas horas percorre o trecho em paralelo à pré-cordilheira e à Cordilheira da Costa, expondo, às vezes de forma incrivelmente nítida, como o seu relevo delimita e define suas 3 faixas longitudinais - Andes, Entre-Cordilheiras e Costa - que só há pouco tempo foram reconhecidas como fator de classificação regional dos vinhos chilenos.
A partir da janela do avião, é possível visualizar a bruma matinal que cobre toda a costa e vales costeiros. Não dá pra saber onde termina a terra, e começa o mar. Provocada pelas águas frias do Pacífico, a neblina se forma todas as manhãs durante verão e outono - período de colheita - e só se dissipa ao final da manhã, com o sol a pino.
As Bodegas RE fazem uso deste fenômeno para produzir vinhos doces botrytizados espetaculares. As uvas são deixadas nas vinhas até maio, às vezes, até junho. A neblina matinal, que cobre todo o Vale de Casablanca, favorece o acúmulo de umidade para o desenvolvimento da botrytis cinerea; e o sol da tarde interrompe a ação do fungo. Sem o sol, facilmente a podridão nobre se converteria em podridão cinza.
A ação do fungo seca as uvas, eliminando sobretudo água, e concentrando aromas, sabores e acidez. De acordo com a vinícola, elas perdem dois terços do volume total. O mosto é colocado com as uvas passificadas em barricas para uma lenta fermentação, que pode levar mais de um ano, devido à alta concentração de açúcares. O vinho passa ainda mais um ano nas mesmas barricas, com as leveduras mortas, que vão se dissolvendo no líquido.
O Renoble Sauvignon Blanc 2013 é intenso em todos os sentidos. De cor dourada intensa e brilhante, demonstra alta viscosidade ao ser girado na taça. O aroma intenso traz muita geléia, damasco seco, mel, notas cítricas, e o característico aroma químico dos vinhos botritizados. Na boca, o alto índice de açúcar e os 15% de teor alcoólico são equilibrados pela intensa acidez, que se soma a um sabor intenso que confirma o nariz, e longa persistência. No fim, o vinho deixa a boca salivando por mais um gole.
Infelizmente, este vinho não é importado no Brasil. Eu o trouxe direto da vinícola, onde o comprei por CLP$13.000. Os vinhos das Bodegas RE não são exatamente baratos, mas valem muito a pena.
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