28 de abril de 2019

Safrá 2015

Sejam tinajas, ânforas ou qvevris, o resgate da vinificação em vasilhames de barro tem inspirado produtores em diversos países, e criou um novo nicho no mundo do vinho.


Um desses exemplos é a vinícola Celler del Roure, localizada na subzona de Clariano, em Valencia, na Espanha. Sem experiência prévia, Pablo Calatayud decidiu fazer seu próprio vinho, e fundou a vinícola, com a ajuda de seu pai. Começaram plantando Tempranillo, Merlot e Cabernet Sauvignon, com envelhecimento em barrica, assim como fazia todo mundo, na região.

Conversando com enólogos de outras regiões, ele percebeu que estava no caminho errado. Passou a privilegiar a Monastrell e Garnacha Tintorera, autóctones de sua zona, e começou a pesquisar variedades esquecidas. Encontrou um pequeno vinhateiro cultivando uma variedade chamada Mandó, e resolveu investir nela, substituindo vinhas de Merlot e Tempranillo. A Mandó possui um ciclo curto, alcança a maturação bem cedo, mantendo boa acidez, e baixo teor alcoólico - uma característica bem vinda em uma região muito quente, como Valencia. No entanto, logo perceberam que não tinha afinidade com estágio em madeira.

Em 2006, pensando em expandir, encontraram uma propriedade de 40ha. Por acaso, a propriedade contava com uma ampla adega subterrânea, abandonada, que acredita-se ser do período romano, com uma centena de ânforas de barro. Algumas estavam rachadas, mas boa parte estava intacta. Decidiram testar o envelhecimento nessas ânforas. Em 2010, fizeram um vinho branco, chamado Cullerot.


Contentes com o resultado, decidiram também vinificar tintos. Foi só então que puderam perceber o potencial da Mandó. A nova linha de vinhos em ânfora, além do branco, possui 3 tintos. Todas as uvas são certificadas de cultivo orgânico, e colhidas manualmente. Parte foi desengaçada, e parte foi fermentada com os engaços; parte em tanques de inox, parte em lagares de cimento. Eles ainda produzem vinhos com as variedades internacionais, mas está reduzindo o espaço destas, em favor das cepas locais.

Dois desses vinhos foram importados pelo Brasil, durante um pequeno período no ano passado... pela Evino. E-commerce estigmatizado pela imagem de vender vinhos de baixa qualidade, de vez em quando, trazem algo de bom. Pena que acaba rápido. Tomei minha última garrafa do Safrá 2015, vinho cujo nome significa açafrão, na língua de Valencia. Ele é 85% Mandó, o restante de Garnacha Tintorera, e envelhece por 6 meses em ânforas.

Eu já tomei alguns vinhos envelhecidos em tinajas, mas nunca tinha percebido um aroma e sabor tão evidentes do barro. Seu aroma lembra nitidamente aquele da água filtrada em filtro de barro; que se somam a frutas vermelhas e negras maduras. Tinha cor rubi de média intensidade, corpo médio, acidez média+, taninos relativamente discretos, álcool também discreto, e final médio. Prima pelo frescor, além do caráter terroso atribuído pelo barro. Vinho muito original.

Leituras adicionais

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