19 de maio de 2019

Vinho tinto de uvas brancas?

Vinho branco de uvas tintas, ok. Como a pigmentação que dá cor aos tintos, normalmente, está na casca, com um esmagamento e prensagem cuidadosos, em bica aberta (sem curtimenta), tiramos um mosto incolor de uvas tintas, que resulta em vinho branco. Em vinhos tranquilos, não é comum, mas os há, aqui e ali. Já no mundo dos espumantes, é bem mais comum, como nos confirma a expressão blanc de noirs.

E vinho tinto de uvas brancas?

Não é permitido adicionar corante nos vinhos, portanto são necessárias uvas tintas para se fazer um vinho tinto. Já uma mescla de uvas brancas e tintas, aí sim, é possível. Pequenas adições de uvas brancas em vinhos tintos não são incomuns. O exemplo mais notório são os Syrahs do Rhône Norte, que podem contar com uma adição de até 20% de uvas brancas.

Mas tecnicamente, o percentual de uvas tintas necessário é bem menor, como demonstra o curioso vinho Medieval de Ourém. Ele leva 80% Fernão Pires (uva branca), e 20% Trincadeira (tinta). Se pensarmos que em alguns países, um vinho com 75% de uma variedade já pode ser chamado de monovarietal, esse vinho poderia ser classificado como um tinto de Fernão Pires!


Medieval de Ourém

Este vinho segue uma tradição de 800 anos iniciada pelos monges Cistercienses, na zona ao redor de Ourém, cidade localizada no norte da região de Lisboa, dentro da área da pouco conhecida DOC Encostas d'Aire. E desde 2005, o termo Medieval de Ourém é regulamentado como uma sub-região dentro dessa DOC, para proteger o processo de produção. São 8 os produtores a fazer desse vinho.

O Medieval de Ourém é obrigatoriamente produzido a partir de 80% uvas Fernão Pires, com 20% Trincadeira. As uvas brancas são esmagadas e imediatamente prensadas (bica aberta), tendo o conteúdo transferido para recipientes de madeira de até 3000L, até 80% da capacidade. As uvas tintas, por sua vez, fermentam com as cascas (com curtimenta) por um período de até 10 dias, com remontagem duas vezes ao dia (imagino que, há 800 anos, seria mais fácil fazer uma pigéage). Após a fermentação, o vinho tinto é vertido no recipiente onde está o branco, sem prensar, para finalizar a fermentação. O processo visa produzir vinhos de cor rubi 'aberta' (de baixa intensidade), que em Portugal, são extra-oficialmente classificados como 'palhete' (oficialmente, são vinhos tintos).

Podemos encontrar desse vinho no Brasil: o Abadia de Tomarães Medieval de Ourém 2013 é produzido pela Divinis (antiga Adega Cooperativa de Ourém), e importado pela Winelands.

Ele tem essa cor 'aberta', como mencionado, e com um halo aquoso já bastante visível. O aroma é discreto, e remete a vinhos tintos: frutas vermelhas maduras (framboesa, cereja), folhas e galhos secos, leve toque de especiarias, remetendo a madeira (mesmo que, tecnicamente, tenha fermentado em tonéis de madeira neutra). Na boca, é um vinho de corpo médio/baixo, acidez média, taninos pouco intensos, mas algo rústicos, e álcool equilibrado. O aroma de boca reforça o nariz.

Devido à intensidade de cor, eu pensei que poderia ser servido mais fresco, mas os taninos ficaram bastante ásperos; por isso, o melhor é mesmo que seja servido à temperatura de tintos. É um vinho sui generis, sem dúvida, vale pela curiosidade. Acompanha bem embutidos, como lingüiça ou alheira.


Referências


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