1 de março de 2022

Quinta do Canto Garrafeira 1994

Ou, De Quando um decanter é realmente útil

Já li por aí em algum lugar na Internet, algum "digital influencer" dizer que os decanters são um acessório completamente supérfluo, de esnobismo. É verdade que não é qualquer vinho que se irá beneficiar dele. Mas quando abrimos um vinho como o Quinta do Canto Garrafeira 1994, é que vemos o quanto um decanter pode ser importante.

Este vinho estava ofertado na loja online da Garrafeira Tio Pepe, por meros €12. Fosse outra garrafeira, eu ficaria desconfiado, mas sendo da Tio Pepe, achei que merecia atenção. A busca pelo nome do vinho trouxe poucas referências acuradas (como esta e esta), que no entanto remetiam ao endosso de ninguém menos que Dirk Niepoort, um dos enólogos mais renomados de Portugal.

O Quinta do Canto Garrafeira 1994 foi produzido pelo Sr. Dores Simões, inspetor reformado do IVV. É um vinho da DOC Bairrada, produzido majoritariamente de Baga, com uma adição de Tinta Pinheira (um sinônimo de Rufete). Conforme se lê no contra-rótulo, foi vinificado em lagar de cimento, com parte dos cachos desengaçados, e parte com engaços, com posterior estágio de 3 anos, em "pequenas vasilhas"; e engarrafado sem filtração nem colagem. E de acordo com o texto de endosso de Dirk Niepoort, feito com "pouca extração", com uma "maior procura pela acidez do que por maturações exageradas".

Pela idade, e pela descrição do contra-rótulo, era garantido encontrar sedimentos no fundo da garrafa. E aí está a primeira razão para se usar um decanter: vertemos vagarosamente o vinho nele, interrompendo logo que vemos sedimentos próximo ao gargalo. E assim, nos livramos de ter uma taça cheia de sedimentos, que não têm lá um sabor muito agradável. Tentar servir o vinho diretamente em taças arriscava perder muito mais vinho, pois o ato de virar e desvirar a garrafa deixaria mais sedimento em suspensão.

Como esperado, seu especto visual acusava a idade. O aroma, por sua vez, era muito intenso, mas praticamente tomado por notas medicinais, em especial cânfora. E aí está o segundo motivo para se usar um decanter: acelerar sua oxigenação. Um vinho fechado por muito tempo pode precisar de alguma oxigenação, ou mesmo muita. Ela pode ajudar a reduzir algum aroma, que como neste caso, incomodava pelo excesso, e também a exaltar outros aromas, que inicialmente estão escondidos. Não se pode obter a oxigenação apenas girando a taça? Em muitos casos, sim, mas neste, seria necessário horas girando a taça; no decanter, isso se faz antes de o servir, até mesmo horas antes, além de ser mais eficiente.

O vinho tinha cor granada de média intensidade, com halo aquoso pronunciado, porém com aspecto brilhante (sinal de boa acidez). O aroma, passado o excesso, continou a demonstrar cânfora, junto a bolo de frutas (como este aqui), bálsamo, cerejas e ameixas (um pouco em calda, um pouco sobremaduras), caldo de carne, cogumelos, folhas e terra úmidas (sous-bois). Tinha corpo médio, com acidez média+, taninos ainda intensos, porém muito finos, intensidade de sabor média+, e alta persistência. Não é um vinho para todos; mas para quem gosta de vinhos com caráter bastante evoluído. E mesmo assim, não creio que se deva guardar por mais tempo.

Obs: quem se interessar em conhecer mais a respeito do uso dos decanters, recomendo a leitura: Aerar ou decantar, eis a questão.

2 comentários:

  1. Boa noite Rodrigo, como o Ricardo Soares disse, 3 horas foi o tempo de decantação do 1994 e o "influenciador digital" que leia o resultado!
    Forte abraço.

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    1. Olá Carlos, obrigado pelo comentário.
      Só espero que os leitores que se depararem com aquele tipo de opinião pesquisem um pouco mais antes de se deixarem influenciar.
      Um abraço!

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