Bastou a mim tomar conhecimento da história - e da simples existência - do raro vinho de Carcavelos, para desejar prová-lo. Morando no Brasil, não era fácil, havia de vir comprá-lo em Portugal, ou ao menos encomendar uma garrafa a alguém. O preço não era impeditivo, tive a oportunidade, e relatei minha experiência nestas páginas.
Hoje, morando em Portugal, é bem mais fácil adquirir uma garrafa deste raro e delicioso vinho. O preço continua atraente, diante de tanta qualidade, e comprei uma garrafa do Villa Oeiras Superior. É o mesmo produtor da garrafa que tomei há quase 5 anos, mas este vinho tem mais tempo de envelhecimento: 15 anos, em barricas de carvalho português e francês.
O vinho tem uma cor âmbar avermelhada, de média intensidade e brilhante; aromas intensos, típicos de vinhos oxidados (caramelo/toffe, amêndoas torradas, frutas desidratadas, laranja cristalizada, leve tostado, o bolo de frutas inglês, etc.), e sem aquele toque químico que senti da outra garrafa (a outra devia estar engarrafada há alguns anos; enquanto esta me parece de um engarafamento mais recente, 2021 se o número do lote não me leva a erro). O teor alcoólico é de 18,5%, mais baixo que o vinho provado 5 anos atrás, mais alinhado com um estilo mais elegante. Tem corpo médio, com doçura e acidez bem equilibrados, e um final longo (persistência aromática), com a boca a salivar.
Se naquela ocasião, dediquei-me a divulgar a história do vinho, desta vez, descrevo um pouco mais a região e castas utilizadas. Os 25 hectares ainda existentes de vinhas se localizam expremidos em meio ao espaço urbano, entre os concelhos de Carcavelos e de Oeiras, localizados a oeste de Lisboa. Com o Oceano Atlântico a poucos quilômetros ao sul, o clima é marítimo, ameno, com significativa humidade, que é compensada pela Nortada.
A maioria das vinhas é de uvas brancas, e apesar de diversas variedades serem permitidas, um Carcavelos branco deve conter ao menos 75% (na prática, correspondem quase sempre a 100%) das 3 variedades recomendadas: Arinto, Galego Dourado e Boal Ratinho (ou simplesmente Ratinho). Arinto é uma variedade muito difundida por todo o país, e muitas vezes já citada aqui. No corte de Carcavelos, sua principal contribuição é a acidez. Já as outras duas são raras, e praticamente só existem em Carcavelos e arredores.
A Galego Dourado tem origem incerta, e nenhum parentesco conhecido. Provavelmente não se disseminou muito devido à suscetibilidade a doenças como desavinho (coulure, floração inconsistente), e doenças fúngicas (oídio, míldio, e podridão nobre). Ela tem acidez média, e aporta ao vinho alto teor alcoólico, e capacidade de envelhecimento, já que não é resistente à oxidação. Ela se dá melhor nos solos argilo-calcários vermelhos, que caracterizam a DOC Carcavelos, apesar de necessitar cuidado devido à humidade.
Apesar de ainda mais rara (nem ao menos tem-lhe dedicado um verbete o livro de Jancis Robinson), a Ratinho tem parentesco conhecido. É resultado do cruzamento entre a Malvasia Fina (conhecida como Boal, na Madeira), e a Síria. Também é sensível à podridão (daí sua baixa popularidade), apresenta baixa acidez, alto grau de açúcar, e alta intensidade aromática.
Algumas referências
São raros os textos online que trazem algo mais do que uma simples menção aos nomes das castas de Carcavelos. Além da tradicional consulta ao livro Wine Grapes, de Jancis Robinson, me baseei nos textos abaixo:- Villa Oeiras: região demarcada
- Quinta de San Michel: casta Galego Dourado
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