Cozinhando com vinho

"Eu cozinho com vinho, às vezes até coloco na receita."
W. C. Fields - ator e comediante*

Realmente, cozinhar enquanto se beberica um vinho - o vinho do cozinheiro - torna a tarefa muito mais prazerosa. Mas como lembra a piadinha acima, além de embalar o cozinheiro, o vinho também pode ser um importante ingrediente da comida.

De uma marinada, ao caldo de um guisado, passando pelo cozimento de arrozes, há uma grande diversidade de usos que dão um toque especial a diversos pratos. Mas como escolher o vinho a ser usado? Muita gente já escreveu a respeito desse tema. Mas eu vou me permitir expor a minha experiência no assunto, desmistificando algumas 'regras'.

Aproveitando vinhos velhos

A Europa possui uma infinidade de pratos clássicos, criados ao longo dos séculos, visando aproveitar restos de vinho. Quando o vinho perde parte do seu sabor e do equilíbrio, ele pode não ser mais tão agradável para ser bebido, mas ainda está bom para usos alternativos.

Alguns chefs de restaurante - e alguns 'formadores de opinião' - podem torcer o nariz para isso. Mas a verdade é que o que a bebida perde ao longo de uma semana na geladeira - principalmente aromas primários - é certamente menor do que perderá com 10 minutos de cozimento. Portanto, usar esses restos não irão prejudicar em nada o prato.

Aqui em casa, freqüentemente sobra um pouquinho de vinho. Fazemos, com os restos, um 'corte de geladeira': vamos juntando tudo em uma única garrafa, e guardamos para cozinhar. E por quanto tempo podemos guardar? Primeiro, quanto mais cheia a garrafa, menos ar dentro dela, melhor. Inclusive, vale a pena usar meias-garrafas. Segundo, vamos adicionando restos 'novos', de forma que o vinho dura tranqüilamente alguns meses. Tintos, ainda mais tempo.

Atente-se unicamente à diferença entre vinho velho e vinho estragado. Vinho que perdeu o frescor e parte dos aromas primários não vão afetar negativamente o prato; mas vinho com cheiro de vinagre, de estrebaria, ou outros cheiros desagradáveis certamente vão arruinar a receita.

Qualidade do vinho

A regra de ouro diz que não precisam ser caros, mas devemos escolher um vinho que nós mesmos beberíamos. É uma regra razoável, afinal, se você não bebe vinho de garrafão, por exemplo, não deve usá-lo para cozinhar, pois o seu gosto irá afetar a comida.

Por outro lado, ela pode levar a algumas conclusões equivocadas. Por exemplo, se você só bebe Cabernets super extraídos, isso não significa que deva usá-los na culinária. Vinhos muito encorpados também podem acabar deixando o sabor forte demais. O melhor é usar um vinho Reservado, mesmo que você o ache 'fraquinho' demais para beber.

Eu acho mais adequado a escolha de vinhos leves e frutados, evitando vinhos com muito tanino, ou muito amadeirados. Tem bastante chef por aí que sabe que não adianta queimar um Barolo pra fazer um bom prato. Melhor usar um vinho mais barato: It Boils Down to This: Cheap Wine Works Fine.

Variedade de uva

Uma vez, li uma receita que recomendava usar um Syrah. Mas deveria ser um Syrah encorpado do Languedoc, ou um Syrah Reservado do Chile? O resultado seria muito diferente, mesmo se tratando da mesma uva.

A variedade de uva importa na escolha do vinho? Na maioria das vezes, não. Normalmente, o mais importante é se ater a vinhos leves, frutados, e não muito aromáticos, que não marcam demais a comida. No exemplo acima, um Merlot Reservado, não afetaria em nada a receita.

Em outro(s) exemplo(s), em dois pratos tradicionais da Borgonha - coq au vin e boeuf bourguingon - recomenda-se usar um vinho de Pinot Noir. Por quê? Porque normalmente é um vinho mais leve. Talvez um Pinot Noir super-extraído possa ser pior do que aquele Merlot ou Syrah reservado.

A variedade de uva importa mais quando se trata das aromáticas, como Gewurztraminer, Moscatel ou Sauvignon Blanc, pois seu sabor pode se sobressair na comida. A menos que a receita especifique, melhor evitá-los.

Tipo de vinho

A variedade pode nem sempre ser tão importante, mas o tipo de vinho, é. Além de ser tinto ou branco, é claro, é importante verificar a sua doçura. Vinhos com pronunciada doçura podem afetar o resultado final. A menos que a receita especifique, suponha tratar-se de um seco.

Certas receitas vão citar vinhos específicos, como Porto, Madeira, Jerez, Marsala, por exemplo. Estes vinhos, fortificados, têm caráter bem marcante, e neste caso é importante seguir o que pede a receita. E mais um detalhe importante: alguns deles possuem versões doces e secas, como por exemplo, Madeira e Marsala. É importante saber o que quer a receita.

Margem de erro

Certos pratos são mais sensíveis que outros à escolha do vinho. Por exemplo, se o vinho for usado só na marinada, e descartado, dá pra 'errar' um pouco mais, colocando um vinho um pouco mais forte. Mas se o caldo da marinada for ser usado como base para o molho, é preciso tomar mais cuidado.

Caso se queira aproveitar um resto de um vinho tinto muito encorpado, é possível substituir parte por água, ou vinho branco, para diluí-lo.

Creio que o risoto é o prato mais sensível, e por pouca coisa, o vinho pode se sobressair. É necessário se ater à quantidade correta, e dar preferência a vinhos frutados de sabor pouco intenso. Brancos italianos de baixo custo costumam ser uma boa escolha. Mas sobretudo, evite a Sauvignon Blanc, a menos que esteja fazendo um risoto de aspargos.

Com alguma freqüência, Thais cozinha pratos com vinho, e põe um pouco na comida. E alguns aparecem aqui no blog. Para se inspirar com algumas sugestões, siga o link: Cozinhando com vinho.

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